Cozinhas e Infâncias leva educação alimentar ao Mato Grosso, com resgate da sociobiodiversidade

Primeiro município a receber o programa Cozinhas e Infâncias Territórios, Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, tem o Cerrado estampado em suas ruas, mesas, rostos. O segundo maior bioma brasileiro é repleto de saberes e sabores próprios, e uma cultura alimentar rica e diversa pronta para ganhar espaço nas cozinhas das novas gerações.  Esse resgate da sociobiodiversidade é um dos objetivos do Cozinhas e Infâncias, promovido no território pelo Instituto Comida e Cultura (ICC), em parceria com o Ministério Público de Mato Grosso, a Promotoria de Justiça de Chapada dos Guimarães e a Prefeitura de Chapada dos Guimarães. O programa é uma formação em educação alimentar voltada a professores, nutricionistas, cozinheiras e gestores escolares da rede pública de ensino. A imersão em Chapada dos Guimarães teve início em 2023, com atividades pedagógicas que estimulam a reconexão com o entorno e com as culturas alimentares ancestrais.  Ao final de duas fases formativas, 40 educadores estavam capacitados a levar a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) a suas comunidades escolares, com um alcance de cerca de 1.000 crianças beneficiadas. Em 2025, o programa chegou à sua terceira fase no município, com foco no auxílio à implementação das práticas pedagógicas em educação alimentar idealizadas pelas professoras. “O projeto Cozinhas e Infâncias trabalha pela educação alimentar e mergulha na cultura culinária local como porta de entrada para o debate da sociobiodiversidade. Ele conecta práticas agrícolas que apoiam a produção de alimentos, identidade e tradições, sabores, saúde, educação e meio ambiente, para motivar e movimentar um espaço político favorável  à sua conservação”, explica Daniella Brochado, coordenadora pedagógica e de relações étnico-raciais do Instituto Comida e Cultura.  “Hoje, o Cerrado é nosso bioma mais ameaçado e o projeto convoca educadores do ‘coração do Brasil’ a uma reflexão emancipatória sobre as possibilidades de sistemas alimentares mais saudáveis a partir de uma atitude protagonista e uma nova consciência alimentar”, completa. No caso de Chapada dos Guimarães, a valorização dos saberes e sabores do Cerrado traduziu-se ainda na atuação do ICC junto à prefeitura para inserção de produtos da sociobiodiversidade na Chamada Pública do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do município. No edital de compras de alimentos para a merenda escolar de 2025 figuram o pequi, fruta nativa que é considerada o “ouro do Cerrado”, e a castanha de baru, oleaginosa rica em nutrientes e que também tem origem no bioma. Para Flora Camargo, facilitadora de processos pedagógicos no ICC, a inserção do pequi e do baru na Chamada Pública do PNAE representa um grande avanço, pois deve beneficiar as comunidades por meio de geração de renda e valorização das culturas e saberes locais, aliado à conservação do Cerrado.  “Essa ação representa um primeiro passo necessário para uma jornada maior que visa olhar para a educação alimentar e nutricional nas escolas por meio do fortalecimento dos territórios e da mudança dos cardápios, priorizando os produtos in natura aos ultraprocessados. Nossa expectativa é estimular as comunidades locais e, na sequência, conseguir ampliar a inserção para outros alimentos, como as diversas frutas do Cerrado: mangaba, caju, jatobá, entre outros”, diz Flora. As negociações para a inserção de alimentos nativos e sociobiodiversos na chamada pública estava em curso desde o fim de 2024. Um levantamento prévio de comunidades e de produtos que estão mais acessíveis no município indicou a viabilidade do baru e da polpa de pequi em um primeiro momento. Com os dados em mãos e em parceria com as nutricionistas responsáveis pelos cardápios da merenda escolar, chegou-se à lista final de alimentos para inserção na chamada pública. “É importante atuarmos para a formulação das políticas públicas. Fizemos essa incidência na chamada pública e temos outros pontos a considerar sobre a merenda escolar. A merenda é o ponto de confluência, porque não tem como a gente promover educação alimentar nas escolas, estimulando uma alimentação saudável, e fornecer uma alimentação de má qualidade e rica em ultraprocessados”, finaliza Flora.

O septuagenário de um aliado das infâncias brasileiras: PNAE completa 70 anos em 2025 e beneficia cerca de 41 milhões de estudantes no país

Autoras: Erika Fischer¹ e Jaqueline Lopes Pereira² Toda criança e adolescente tem direito à alimentação adequada, à saúde, à educação e ao desenvolvimento pleno, garantias consagradas na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e em tratados internacionais. No entanto, quando observamos os indicadores relacionados à má nutrição no país, percebemos que ainda estamos longe de garantir esses direitos a todas as infâncias brasileiras. A insegurança alimentar é mais prevalente em domicílios onde vivem crianças e adolescentes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023, cerca de um terço desses lares conviviam com algum grau de insegurança alimentar. Desses, quase 5% enfrentavam a fome. Ao mesmo tempo, dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) de 2023 estimam que 14% dos menores de cinco anos e 34% daqueles entre 5 e 19 anos estavam com excesso de peso. Essa dupla carga da má nutrição revela um paradoxo alarmante, que exige ações articuladas entre diferentes setores envolvidos nos sistemas alimentares. Nesse contexto, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) destaca-se como uma das principais políticas de proteção social, sendo o segundo maior programa de alimentação escolar do mundo e o mais antigo do Brasil. Seu objetivo é promover o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem e hábitos saudáveis por meio de refeições balanceadas e ações educativas. Criado em 1955, o PNAE atende de forma universal e gratuita alunos da educação infantil, fundamental, médio e EJA em escolas públicas, filantrópicas e comunitárias. Suas diretrizes consideram diversidades étnicas, necessidades nutricionais por idade e vulnerabilidade social, com repasses de recursos diferenciados para educação infantil, indígenas e quilombolas.  Com um orçamento anual superior a R$ 6 bilhões, o PNAE mobiliza uma ampla estrutura para acontecer: são aproximadamente sete mil nutricionistas e 90 mil conselheiros atuando na fiscalização do programa. Essa engrenagem beneficia cerca de 41 milhões de estudantes (o que representa 20% da população brasileira), em mais de 150 mil escolas, garantindo diariamente 50 milhões de refeições. A Lei nº 11.947/2009 foi um marco, assegurando atendimento universal em 200 dias letivos, incluindo educação alimentar no currículo, controle social e diretrizes nutricionais, como suprir 20% das necessidades nutricionais diárias dos alunos. O PNAE também promove a aquisição de alimentos da agricultura familiar (mínimo 30% dos recursos), regionais, da sociobiodiversidade, orgânicos e agroecológicos, fortalecendo a economia local e a agroecologia. Em 2025, a Resolução CD/FNDE nº 3 atualizou as diretrizes nutricionais do programa, determinando que ao menos 80% dos recursos sejam destinados à compra de alimentos in natura ou minimamente processados, percentual que sobe para 85% em 2026. Já os alimentos ultraprocessados ficam limitados a 15% (10% a partir de 2026), e os ingredientes culinários, a 5%. A norma também recomenda evitar produtos com rotulagem frontal de alto teor de nutrientes críticos e valoriza a diversidade alimentar, ao incentivar que cada município adquira ao menos 50 tipos diferentes de alimentos in natura por ano.  Apesar dos desafios que enfrenta, o PNAE é uma estratégia central para transformar os sistemas alimentares com foco na equidade, sustentabilidade e respeito à cultura alimentar. Suas ações integram políticas de nutrição, educação, agricultura e saúde pública, impactando diretamente milhões de estudantes e promovendo a defesa e ampliação dos direitos das infâncias. Com articulação intersetorial, o programa combate a fome e a insegurança alimentar, promove educação e desenvolvimento sustentável, valoriza a sociobiodiversidade e fortalece o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), contribuindo para que os sistemas alimentares sejam ferramentas reais de garantia e promoção dos direitos de todas as infâncias. ¹Erika Fischer é gestora pública especializada em programas de alimentação escolar e segurança alimentar e atua como consultora de relações institucionais do Instituto Comida e Cultura (ICC). É responsável pelo desenvolvimento de parcerias e apoia processos de monitoramento e avaliação do ICC. ²Jaqueline Lopes Pereira é pesquisadora e mentora do Sustentarea. É pós-doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da USP, graduada em Nutrição, Mestre e Doutora em Ciências pela mesma instituição na área de Nutrição em Saúde Pública, com doutorado sanduíche no Departamento de Nutrição da Harvard T. H. Chan School of Public Health.

Instituto Comida e Cultura integra coalizão global para fortalecer a alimentação escolar

A School Meals Coalition é uma iniciativa de cooperação entre países, sociedade civil e instituições acadêmicas para proteger as infâncias e garantir o desenvolvimento sustentável por meio de melhorias na alimentação escolar A educação alimentar interfere diretamente naalimentação escolar, além de se relacionar com o desenho de políticas públicas educacionais e alimentares e com a construção de sistemas alimentares mais justos e sustentáveis. Com base nessas sinergias, o Instituto Comida e Cultura (ICC) passa a integrar a lista de parceiros da School Meals Coalition (“Coalizão da Alimentação Escolar”, em tradução livre do inglês), ao lado de mais de 140 instituições de todo o mundo.  A School Meals Coalition promove ações para melhorar e ampliar os programas de alimentação escolar para garantir que todas as crianças tenham a oportunidade de receber refeições saudáveis e nutritivas nas escolas. A coalizão é coordenada pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP) e colabora com as metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil é um dos líderes da coalizão, junto da Finlândia e da França. A alimentação escolar é uma importante política pública no país e, desde 1955, há programas de fornecimento de merenda às crianças brasileiras da rede pública de ensino. Esse movimento culminou com a criação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em 1976, que está em funcionamento até hoje. O PNAE prevê o fornecimento de ao menos uma refeição diária durante o período letivo (180 dias/ano) a todos os alunos matriculados na rede pública e filantrópica de ensino. Um dos principais objetivos da School Meals Coalition é melhorar a qualidade e a eficiência dos programas de saúde e nutrição escolar em todo o mundo até 2030. A alimentação escolar representa uma ferramenta multissetorial poderosa, que pode contribuir para atingir vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), incluindo diminuição da pobreza (ODS1), mitigação da fome (ODS2), saúde (ODS3), educação (ODS4), igualdade de gênero (ODS5), crescimento econômico (ODS8), redução das desigualdades (ODS10), consumo e produção responsáveis ​​(ODS12), ação climática (ODS13) e parcerias fortalecidas (ODS17). “O fortalecimento do PNAE é fundamental para atingirmos esses objetivos no Brasil, e acreditamos na Educação Alimentar e Nutricional (EAN) como um dos caminhos para ampliar a conexão com os alimentos de produção local e agroecológica”, explica Ariela Doctors, coordenadora-geral e cofundadora do ICC. “A comunidade escolar precisa estar preparada para receber esses alimentos frescos e mais saudáveis, e para atuar na educação alimentar das nossas crianças. Por isso, o Instituto trabalha para criar e compartilhar soluções replicáveis nas escolas públicas brasileiras”, completa. Em 2025, o encontro global da School Meals Coalition acontece em Fortaleza, capital do Ceará, entre os dias 18 e 19 de setembro. Serão apresentadas iniciativas de parceiros da coalizão e propostas de ações pelos países-membros.  Além do papel imediato para a segurança alimentar de famílias pobres, os programas de alimentação escolar têm benefícios associados, como a promoção de EAN, a possibilidade de redução dos índices de doenças não transmissíveis entre crianças em idade escolar, como anemia e obesidade, e a promoção da cadeia de suprimentos local, favorecendo a agricultura familiar e de base agroecológica.  “É fundamental unirmos forças agora para melhorar a saúde das nossas crianças, aumentar a resiliência das comunidades e contribuir para um sistema alimentar mais justo e sustentável”, afirma Bela Gil, cofundadora do Instituto Comida e Cultura. Para saber mais sobre a coalizão, acesse o site (conteúdo em inglês).

Educar sobre comida é educar para a vida. Garantir a Educação Alimentar nas escolas é formar gerações mais conscientes, saudáveis e críticas.

Junte-se a nós nessa mobilização!