A agricultura familiar vem passando por grandes transformações nos últimos anos no Brasil
Conteúdo publicado originalmente no UOL em 25/07/2023, de autoria de José Graziano da Silva, diretor-geral do Instituto Fome Zero e ex-diretor geral da FAO (2012-19)
Hoje é Dia do Agricultor Familiar, e a agricultura familiar vem passando por grandes transformações nos últimos anos no Brasil. Infelizmente não dispomos de informações atualizadas a respeito do censo agropecuário de 2017. Certamente muita coisa mudou desde então e vale a pena especular um pouco a respeito das tendências atuais. Inicialmente é preciso distinguir pelo menos 2 grandes grupos entre os 3,9 milhões de estabelecimentos familiares registrados no último censo agropecuário.
Mesmo na agricultura familiar diferença de renda é grande
O primeiro, aqueles enquadrados no Pronaf B, ou seja, os produtores familiares que têm renda bruta anual até 20 mil reais, ou seja, menos de 1,3 salário-mínimo mensal. Esse grupo, que vamos chamar de agricultores familiares de menor renda (AF-), representava 2,7 milhões de estabelecimentos no censo de 2017, mais da metade dos 5 milhões de estabelecimentos recenseados no país. Os AF- possuíam 12% da área total e respondiam por apenas 3% do valor da produção bruta. No entanto, ocupavam 6,7 milhões de pessoas, o que representa 44% do total de ocupados registrados em 2017.
Trata-se, portanto, de um grupo que embora aporte uma pequena contribuição na produção, tem um papel central na ocupação das pessoas que trabalham no mundo rural. Por isso vamos considerá-los mais como uma “casa de moradia da família rural” que um estabelecimento agropecuário no sentido tradicional. A distribuição regional dos AF- mostra uma concentração na região Nordeste que também abriga quase a metade de toda a agricultura familiar do país. Como a região foi afetada por secas rigorosas nesses 5 anos que nos separam do último censo, assim como na região Sul, pode-se esperar que seu número venha diminuindo significativamente.
O segundo grande grupo de agricultores familiares é o dos enquadrados no Pronaf V com limite de renda bruta de até 360 mil reais por ano (menos de 23 salários mínimos mensais), que poderíamos chamar de “remediados” (AF+-). Em 2017, eram cerca de 1,1 milhão de estabelecimentos, 22% do total, possuíam 11% da área, geravam 20% do valor da produção e respondiam por 22% da mão de obra ocupada.
Havia ainda outro pequeno contingente de 26 mil estabelecimentos familiares no Censo de 2017 que superaram o limite superior de renda do Pronaf de 360 mil reais por ano, que chamaremos de AF+. Eles representavam apenas 1% do total de estabelecimentos recenseados bem como da mão de obra ocupada, mas aportavam 4% do valor da produção, o que é significativo considerando que o total da contribuição da agricultura familiar era de 23%. Os AF+ são produtores bastante tecnificados, usando insumos químicos (defensivos e fertilizantes) como os estabelecimentos não familiares, com elevados índices de produtividade da terra e do trabalho, pelo que já foram chamados de “agronegocinhos”. São os AF+ e parte dos AF+- que mais se beneficiam das atuais políticas agrícolas de crédito rural subsidiado que remontam ao século passado.
Política de crédito rural agrícola faz ‘ricos crescerem’ 900 mil pobres desempregados
É fundamental destacar que esses 2 grandes grupos AF- e AF+- vinham apresentando tendências de crescimento opostas quando se compara 2017 com o censo anterior de 2006: os AF- mostraram uma taxa de crescimento negativa de quase -2% a.a; mas os AF+- tiveram uma altíssima taxa de crescimento de quase 3% ao ano, compensando em parte a queda da agricultura familiar como um todo teve um crescimento negativo de quase -1% a.a. no mesmo período.
É possível que parte desse crescimento dos AF+- se deva ao “sucesso”da política agrícola de crédito rural altamente subsidiado no período, mas infelizmente não se sabe que proporção deles realmente “subiram de patamar” de renda nesse período intercensitário. No mesmo sentido, não se sabe se a queda no número de estabelecimentos AF+ entre os censos se deve ao fato de terem “subido ou descido” de patamar?
Se projetarmos os dados de 2017 para 2023 usando essas mesmas taxas de crescimento do período intercensitário, vamos obter que o total de agricultores familiares teria se reduzido em cerca de 200 mil; os AF- em quase 300 mil ; e os AF+- aumentariam em mais de 150 mil. Mas o que queremos destacar é que, se confirmada essas mesmas tendências nos últimos 5 anos (2017/23), pode ter acontecido uma redução expressiva de cerca de 600 a 900 mil de pessoas ocupadas na agropecuária familiar, considerando-se a mesma média de pessoas por estabelecimento existente em 2017. Nada indica que essa tendência vá se reverter “naturalmente” nos próximos anos , muito pelo contrário!
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