ENCANTAR O COMER: saberes ancestrais e utopias possíveis

Pensar em utopia no debate sobre alimentação saudável exige reconhecer que o ato de comer bem, no Brasil, é atravessado por desigualdades históricas. Paulo Freire nos lembra que a utopia não é fuga da realidade, mas um movimento para transformá-la. Nêgo Bispo amplia essa reflexão ao afirmar que imaginar outros mundos implica “desinventar” aquilo que o colonialismo estabeleceu como regra. Para ele, transformar significa recuperar cosmopolíticas ancestrais que colocam a vida e o território no centro das relações, rompendo com a lógica que separa seres humanos, natureza e alimentos. Hoje, alimentos ultraprocessados ocupam um espaço enorme na rotina das famílias brasileiras. Muitas vezes isso é impulsionado pelo preço, pela praticidade e pela ausência de políticas que garantam acesso contínuo a alimentos frescos e nutritivos. O racismo estrutural, somado à desigual distribuição de renda e de oportunidades, influencia diretamente esse cenário. Ele molda hábitos, acessos e possibilidades, e determina quem consegue ou não manter uma alimentação baseada em alimentos in natura. Esse rompimento entre alimento, território e corpo expressa o que Nêgo Bispo aponta como consequência da colonialidade, que transforma comida em mercadoria e desorganiza os vínculos comunitários que sustentavam a vida. Nesse debate, o pensamento de mulheres negras tem sido fundamental para ampliar o horizonte. Rute Costa, nutricionista brasileira e professora da UFRJ, é uma referência importante na área de Alimentação. Com uma formação acadêmica sólida, incluindo Mestrado em Alimentação, Nutrição e Saúde pela UERJ e Doutorado em Educação em Ciências e Saúde pela UFRJ, Rute é liderança do grupo de pesquisa CulinAfro, criado em 2014. Ela destaca que “alimentação é lugar de memória e de identidade”, reforçando que os saberes culinários afro-brasileiros foram historicamente desvalorizados, apesar de serem profundamente nutritivos, diversos e ligados à terra. Em seu trabalho com comunidades quilombolas, Rute Costa mostra que preservar esses modos de comer também é preservar autonomia e direitos, algo que dialoga com o que Bispo chama de contracolonização, quando práticas ancestrais resistem às imposições coloniais e seguem orientando a vida. Na diáspora, a nutricionista, ativista e copresidente de Nutrição e Saúde do Conselho de Política Alimentar de Washington, D.C., Tambra Raye Stevenson, fundadora da WANDA (Women Advancing Nutrition, Dietetics and Agriculture), atua na defesa da soberania alimentar de mulheres negras e na valorização dos saberes africanos que estruturam práticas culinárias e modos de comer. Ela afirma que “a comida é uma arma de cura e de soberania” e desenvolve projetos que recuperam práticas alimentares africanas e afro-diaspóricas para reconstruir sistemas de saúde mais justos, culturalmente adequados e conectados às identidades negras. Seu trabalho evidencia que não existe saúde separada de território, memória e enfrentamento às desigualdades raciais. Essa perspectiva também dialoga com a noção de encantamento de Nêgo Bispo, que compreende o cuidado com a vida como equilíbrio entre corpo, espírito e ambiente. Essas perspectivas mostram como o conhecimento afro-diaspórico pode nos ajudar a imaginar outros futuros possíveis. São futuros em que a comida de verdade seja um direito garantido, e não uma disputa diária. Futuros em que saberes ancestrais orientem políticas públicas, agricultura e educação alimentar. Futuros em que o cuidado com a terra e com o corpo não sejam luxo, mas parte da vida coletiva. Quando voltamos o olhar para povos originários e comunidades quilombolas, encontramos práticas que dialogam diretamente com essa utopia freireana e também com a visão de Nêgo Bispo, que nasceu e se formou em território quilombola. Historicamente, esses povos constroem formas de relação com a terra em que o alimento é parte da vida coletiva, da autonomia e da preservação do território. Eles demonstram, na prática, que outra forma de viver e comer é possível. É uma forma que respeita ciclos naturais, valoriza a diversidade, fortalece vínculos e coloca a vida, e não o mercado, no centro. Isso não significa que esses territórios estejam livres de pressões externas, como violências fundiárias, mudanças climáticas ou políticas que fragilizam a agricultura familiar. Mas mostra que aquilo que muitos chamam de “utopia alimentar” já existe em modos de vida ancestrais que sobreviveram à colonização, ao racismo e ao apagamento. Esses modos guardam saberes fundamentais para o presente e o futuro. Como afirma Nêgo Bispo, são formas de existência que “nunca se deixaram inventar”, justamente porque mantém viva a relação entre território, encantamento e coletividade. Assim, ao trazer para o centro as reflexões de pensadoras negras, os conhecimentos afro-diaspóricos, as contribuições de Nêgo Bispo e as práticas de povos originários, entendemos que a utopia alimentar não é fantasia. Ela já pulsa em muitos territórios, hortas, quintais e cozinhas. O desafio é fazer com que essas formas de existir deixem de ser exceção e se tornem horizonte comum. Talita Beltrame 

Utopias que Tecem Redes: um encontro para sonhar o presente e o futuro do ICC

No dia 27 de novembro, realizamos um encontro especial com nosso Conselho Consultivo, em uma tarde marcada por trocas, escuta generosa e construção coletiva. Foram duas horas de conversa, em que afetos, estratégias e práticas se entrelaçaram como fios de uma mesma rede. O ICC chega ao fim de 2025 diferente de como começou: mais maduro, com equipe maior e preparado para novos desafios. Este ano foi marcado pela expansão de projetos, articulação política, ampliação do nosso alcance na formação de profissionais e fortalecimento institucional. E, justamente por isso, o encontro com o conselho neste fim de ano trouxe ainda mais profundidade ao trabalho. Estar com pessoas que carregam trajetórias sólidas nas pautas da alimentação, da soberania alimentar, da sustentabilidade, da saúde e da educação ampliou a visão do que vem pela frente. Reunir o conselho significa materializar a nossa atuação em rede. Como ninguém transforma os sistemas alimentares sozinho, é nesta teia viva, feita de parcerias, olhares atentos e contribuições, que podemos construir caminhos de cooperação e resiliência. Abrir espaço para esse grupo de especialistas é reconhecer que a missão do ICC é também coletiva, compartilhada e continuamente renovada. Para conhecer o time que nos acompanhe, visite esta página. Ao longo do encontro, surgiram insights potentes, críticas construtivas, provocações generosas e novas possibilidades para o próximo ciclo. O conselho lembrou que é preciso seguir firme na utopia: na crença de que educação alimentar e nutricional sistêmica pode transformar comunidades, fortalecer territórios e reorientar sistemas alimentares em direção ao cuidado, à saúde e à justiça social. Foi um convite para que o ICC não perca de vista aquilo que o fez nascer: o desejo profundo de unir comida, cultura, educação e direitos em um mesmo horizonte de transformação. Em meio às burocracias, demandas e rotinas de uma organização em crescimento, o conselho trouxe de volta o essencial: o sonho, o propósito, o impacto social. O encontro também reforçou o quanto 2025 foi um ano de raízes sólidas e brotos novos. O ICC ampliou sua atuação, fortaleceu o programa Cozinhas & Infâncias, avançou em incidência política, formou mais de 500 profissionais e impactou diretamente o cotidiano de milhares de crianças. Neste ano, também pudemos tecer redes com organizações nacionais e internacionais, consolidar metodologias, sistematizar dados e projetar o futuro com coragem. Agora, o Instituto se prepara para 2026 com energia renovada, novos projetos e um compromisso ainda mais amplo e ousado: ser porta-voz da Educação Alimentar e Nutricional nas redes e nas ruas, e contribuir para um Brasil que discuta, planeje e reconheça a comida como ferramenta de cuidado, cultura, identidade e transformação social. O encontro terminou com um sentimento comum: esperança ativa. Uma certeza compartilhada de que as utopias que movem o ICC não são ilusões distantes, mas a força motora de uma prática concreta, cotidiana e possível. O conselho segue ao lado do Instituto, tecendo redes, ampliando horizontes e lembrando, sempre, que sonhar é uma forma de fazer política.

Trabalhe no ICC | Vaga para pessoa captadora de recursos

TERMO DE REFERÊNCIA (TR): CONTRATAÇÃO DE CAPTADOR(A) DE RECURSOS (PJ) – vaga afirmativa para pessoas negras e indígena 1. Contexto e Objetivo O Instituto Comida e Cultura (ICC) é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) dedicada a promover a educação alimentar e ambiental, alinhada à garantia do Direito à Alimentação Saudável. Para ampliar o impacto de suas ações, o ICC busca profissional (Pessoa Jurídica) com experiência comprovada para planejar, prospectar, negociar e formalizar patrocínios e apoios que estejam em conformidade com as diretrizes e a governança do Instituto. 2. Perfil e Requisitos Essenciais O(a) profissional deve demonstrar: 3. Escopo Estratégico e Entregas A prestação de serviços abrange o ciclo completo de captação de recursos: Entrega principal: Plano de Captação de Recursos. Entrega principal: Relatório de Base Ativa e Prospecção. Entrega principal: Relatórios mensais de atividades e Pipeline atualizado. 4. Metas e Indicadores Chave (KPIs) O desempenho será avaliado por métricas quantitativas e qualitativas: Categoria Indicador Meta Base Meta Financeira Captação (Patrocínios) ≥ R$ 450.000,00  Eficácia Taxa de conversãoProposta → Contrato ≥40%  Operacional Leads qualificados  / Abordagens / Reuniões ≥50 / ≥80 / ≥25 5. Remuneração e Contratação 6. Governança e Compliance É mandatório o cumprimento das obrigações fiscais e legais. O(a) contratado(a) deve observar a LGPD, a confidencialidade (5 anos), a legislação anticorrupção e o código de conduta do ICC. 7. Processo Seletivo A seleção será baseada em análise de currículo, manifestação de interesse e entrevista. Os critérios de avaliação priorizam a experiência, o alinhamento com a missão do ICC e a vivência em temas relacionados à segurança alimentar. Para se candidatar: preencha este formulário até 30 de novembro de 2025.

Infância na mesa: como escapar dos ultraprocessados?

Obesidade já atinge boa parte das crianças, inclusive bebês. Além de gerar doenças, industrializados alteram a percepção gustativa e o desenvolvimento. Valorizar outras culturas alimentares é essencial, mas também enquadrar corporações com uma Reforma Tributária Saudável

Educar sobre comida é educar para a vida. Garantir a Educação Alimentar nas escolas é formar gerações mais conscientes, saudáveis e críticas.

Junte-se a nós nessa mobilização!