Feira de produtores e seminário sobre educação alimentar acontece em Chapada dos Guimarães-MT em julho

Evento gratuito é promovido pelo Instituto Comida e Cultura na Escola Estadual Rafael de Siqueira, com apoio da Prefeitura de Chapada dos Guimarães e do Ministério Público do Mato Grosso O município de Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, recebe o seminário “Cozinhas & Infâncias: Educação e Alimentação Escolar no Cerrado” no dia 5 de julho. O evento acontecerá na Escola Estadual Rafael de Siqueira. A programação inclui a apresentação de projetos pedagógicos em Educação Alimentar e Nutricional (EAN), além de uma feira de alimentos da sociobiodiversidade cultivados por produtores locais e atividades pensadas para as crianças. Os projetos em EAN são fruto do Programa Cozinhas e Infâncias na Chapada dos Guimarães, uma formação em educação alimentar voltada para professores, cozinheiras e gestores escolares, promovida pelo Instituto Comida e Cultura (ICC) em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e o Ministério Público. “Com a inserção da educação alimentar na rotina escolar, é possível envolver toda a comunidade, desde a valorização do trabalho das cozinheiras enquanto educadoras, com a introdução de novas receitas, até o incentivo à gestão pública na compra e fomento de alimentos da sociobiodiversidade local. Para que a educação alimentar e nutricional nas escolas seja eficaz, é importante que essas ações sejam contínuas e permanentes”, destaca Flora Camargo, facilitadora de processos pedagógicos do Instituto Comida e Cultura. O seminário “Cozinhas & Infâncias: Educação e Alimentação Escolar no Cerrado” pretende ser uma oportunidade de polinizar as ações das educadoras que fizeram a formação do ICC, para que outros professores da rede municipal se inspirem a desenvolver suas próprias ações pedagógicas em EAN. “O projeto Cozinhas e Infâncias atua na base da educação alimentar de nossas crianças, trabalhando no ambiente onde elas passam a maior parte do tempo: as escolas. Nesta terceira etapa, o projeto visa fortalecer os profissionais que cozinham nas escolas públicas do município, ensinando técnicas inovadoras com alimentos locais. O objetivo também é reforçar o Guia Alimentar para a População Brasileira nas escolas públicas”, afirma Leandro Volochko, promotor de Justiça de Chapada dos Guimarães. Para Benedito Lechner, secretário municipal de Educação, o projeto do Instituto Comida e Cultura tem sido uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento alimentar educacional de Chapada dos Guimarães, especialmente considerando o perfil da população da zona rural. “Temos vários servidores engajados nesse projeto, alguns participando pela terceira edição, o que demonstra o impacto e a continuidade dessa iniciativa”, avalia. “Os professores estão adquirindo conhecimentos valiosos sobre os produtos do Cerrado, aprendendo a valorizá-los e a incorporá-los na alimentação escolar. Esse aprendizado já trouxe resultados concretos, como a inclusão do pequi e da farinha de baru no pregão eletrônico da merenda escolar, garantindo que nossos alunos tenham acesso a ingredientes naturais e nutritivos”, completa. Além das apresentações dos projetos das educadoras, a programação do seminário inclui uma mesa redonda sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e haverá distribuição do “Guia Orientador Educação Alimentar e Nutricional nas escolas municipais de Chapada dos Guimarães”, um manual desenvolvido pelo Instituto Comida e Cultura para auxiliar na implementação de práticas pedagógicas que promovam a reconexão com o alimento e o meio ambiente. Atividades para as crianças e a “Feira Sabores e Saberes” completam a agenda, e será possível comprar alimentos direto dos produtores, com foco na biodiversidade local. SERVIÇO: Seminário Cozinhas & Infâncias: Educação e Alimentação Escolar no Cerrado Feira de produtores com alimentos do Cerrado, atração cultural, rodas de conversa sobre educação alimentar, exibição de filme e atividades para as crianças. Local: Escola Estadual Rafael de Siqueira – Rua Tiradentes, 350, Chapada dos Guimarães/MT Quando: 5 de julho, das 8h às 13h30 Programação completa: 8h às 8h30 – Boas-vindas e abertura da feira8h30 às 10h30 – Apresentação de projetos: Educação Alimentar e Nutricional – Autonomia e Permanência10h30 às 11h – Intervalo com lanche11h às 11h30 – Performance cultural11h30 às 13h30 – Mesa redonda: Programa Nacional de Alimentação Escolar e suas diretrizes na Chapada dos Guimarães Programação para as crianças: 8h30 às 10h30 – Exibição de filme11h às 13h30 – Oficinas pedagógicas e lúdicas Feira Saberes e Sabores (produtores locais): aberta durante todo o evento, das 8h às 13h30.
O paladar infantil é sempre uma proposta adulta

Artigo de Murilo Góes, integrante do projeto ComidaETC O que mais me mobiliza a interagir com os estudos sobre culturas alimentares é o fato de que todos nós precisamos comer. Como seres sociais complexos, escolhemos o que deglutir, sempre que possível; nesse sentido é que desde a infância a comida, além de nutrir nossa fisiologia, torna-se também responsável por desenvolver identidades. Ingredientes e pratos são assimilados a dietas alimentares por fatores históricos, sociológicos, ambientais, econômicos, e, portanto, culturais. A comida também envolve uma série de escolhas relacionadas à preparação e ao consumo que ampliam a cadeia de sentidos. Espelhamos o que comemos, mas também comemos o que simbolicamente reflete nossas identidades. Nessa perspectiva, conversar sobre comida é uma proposta expandida de leituras, em que frequentemente dialogamos com as diversidades e também as adversidades – sobretudo em geografias marcadas por desigualdades socioeconômicas. Antes mesmo de ser infantil, o meu paladar, por exemplo, foi perversamente gestado pela industrialização adulta dos anos 90 e literalmente amamentado com muito açúcar, muita gordura, personagens animados, propagandas questionáveis, brindes diversos, status de pertencimento e uma persistente promessa de praticidade para que meus pais preparassem nossas refeições. Diversos já são os estudos demarcadores da relação entre alimentação e saúde. Procuro destacar que o conceito de saúde contempla reflexões sociais de múltiplos horizontes, que incluem sustentabilidade ecológica, bem-estar e identidade cultural – isso se ficarmos apenas em alguns exemplos. Para falar em saúde, no entanto, costumeiramente priorizamos referenciações fundamentadas em doenças. Nesse sentido, sublinho que, desde 1948, a Organização Mundial de Saúde compreende a obesidade como doença crônica, progressiva e recidivante – o que hoje já determina um cenário de epidemia global, afetando também crianças e bebês, por causas variadas e prioritariamente ligadas à alimentação. Se a comida, portanto, modula uma coletividade em identidades e tradições, defendo que também é possível mobilizar uma cultura a partir das reflexões proporcionadas pela comida nos muitos contextos em que ela é presentificada. Exatamente por isso que pensar na escola como espaço educativo onde há oferta de comida permite considerar inúmeras perspectivas para alimentar o debate. Analisando dados do Censo Escolar de 2023 relacionados à educação infantil, as dinâmicas de alimentação escolar corroboraram para o desenvolvimento de cerca de 6,8 milhões de crianças atendidas nacionalmente entre creches e pré-escolas. Se parearmos com os dados registrados pelo Censo Demográfico de 2022, concluímos que cerca de 44% do total de crianças brasileiras de até 5 anos alimentam-se nas instituições públicas relativas à primeira etapa da educação básica. Por se relacionar com expressivo percentual de pessoas diretamente impactadas, e considerando que a oferta de refeições acompanha o funcionamento das unidades de educação que acontece, em média, 5 dias por semana, é preciso reconhecer a relevância que a alimentação escolar assume na nutrição, bem como na arquitetônica do paladar e da cultura alimentar de uma densa coletividade de crianças no país. Alimentação escolar refere-se a “todo alimento oferecido no ambiente escolar, independentemente de sua origem, durante o período letivo”, conforme definição da lei 11.947, de 2009, que institui as principais diretrizes para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE. Os textos que delineiam o programa também destacam a relevância de oportunizar práticas para educação alimentar e nutricional, bem como uma oferta de refeições que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis. Na educação infantil, convém realçar, vivências de alimentação encenam oportunidades para articulação de experiências e de saberes das crianças com conhecimentos que fazem parte dos patrimônios cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico – indicados, por exemplo, na definição de currículo evidenciada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), em 2009. As duas orientações legais aqui citadas posicionam a prática de comensalidade diretamente vinculada a fatores culturais e projetam oportunidade de a Alimentação Escolar ensejar essa lógica. Para isso, além de uma oferta de refeições que supere o conceito de alimentação saudável exclusivamente imbricado a referências nutricionais, torna-se necessário investir em ações de Educação Alimentar e Nutricional que também reconheçam as representações e os conhecimentos associados à sociabilidade do comer. Entendendo que as normativas expressam movimentos dialógicos, sigo no desejo de que a abordagem sobre cultura alimentar e seus horizontes de possibilidades educativas consiga interagir com iniciativas ligadas à integração das ações de cuidado e de educação com crianças pequenas. Talvez nessa direção possamos redimensionar campos semânticos do “paladar infantil” para que crianças sejam menos impactadas pela mercantilização precarizada de um comer que cada vez mais problematiza índices de qualidade de vida. Sobre o autor Murilo Góes é gastrônomo e professor, mestre em Ensino de Humanidades e doutorando em educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Desenvolve eventos e trabalhos artísticos sobre alimentação, além de pesquisas sobre potencialidades educativas da comida.
Cozinhas e Infâncias leva educação alimentar ao Mato Grosso, com resgate da sociobiodiversidade

Primeiro município a receber o programa Cozinhas e Infâncias Territórios, Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, tem o Cerrado estampado em suas ruas, mesas, rostos. O segundo maior bioma brasileiro é repleto de saberes e sabores próprios, e uma cultura alimentar rica e diversa pronta para ganhar espaço nas cozinhas das novas gerações. Esse resgate da sociobiodiversidade é um dos objetivos do Cozinhas e Infâncias, promovido no território pelo Instituto Comida e Cultura (ICC), em parceria com o Ministério Público de Mato Grosso, a Promotoria de Justiça de Chapada dos Guimarães e a Prefeitura de Chapada dos Guimarães. O programa é uma formação em educação alimentar voltada a professores, nutricionistas, cozinheiras e gestores escolares da rede pública de ensino. A imersão em Chapada dos Guimarães teve início em 2023, com atividades pedagógicas que estimulam a reconexão com o entorno e com as culturas alimentares ancestrais. Ao final de duas fases formativas, 40 educadores estavam capacitados a levar a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) a suas comunidades escolares, com um alcance de cerca de 1.000 crianças beneficiadas. Em 2025, o programa chegou à sua terceira fase no município, com foco no auxílio à implementação das práticas pedagógicas em educação alimentar idealizadas pelas professoras. “O projeto Cozinhas e Infâncias trabalha pela educação alimentar e mergulha na cultura culinária local como porta de entrada para o debate da sociobiodiversidade. Ele conecta práticas agrícolas que apoiam a produção de alimentos, identidade e tradições, sabores, saúde, educação e meio ambiente, para motivar e movimentar um espaço político favorável à sua conservação”, explica Daniella Brochado, coordenadora pedagógica e de relações étnico-raciais do Instituto Comida e Cultura. “Hoje, o Cerrado é nosso bioma mais ameaçado e o projeto convoca educadores do ‘coração do Brasil’ a uma reflexão emancipatória sobre as possibilidades de sistemas alimentares mais saudáveis a partir de uma atitude protagonista e uma nova consciência alimentar”, completa. No caso de Chapada dos Guimarães, a valorização dos saberes e sabores do Cerrado traduziu-se ainda na atuação do ICC junto à prefeitura para inserção de produtos da sociobiodiversidade na Chamada Pública do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do município. No edital de compras de alimentos para a merenda escolar de 2025 figuram o pequi, fruta nativa que é considerada o “ouro do Cerrado”, e a castanha de baru, oleaginosa rica em nutrientes e que também tem origem no bioma. Para Flora Camargo, facilitadora de processos pedagógicos no ICC, a inserção do pequi e do baru na Chamada Pública do PNAE representa um grande avanço, pois deve beneficiar as comunidades por meio de geração de renda e valorização das culturas e saberes locais, aliado à conservação do Cerrado. “Essa ação representa um primeiro passo necessário para uma jornada maior que visa olhar para a educação alimentar e nutricional nas escolas por meio do fortalecimento dos territórios e da mudança dos cardápios, priorizando os produtos in natura aos ultraprocessados. Nossa expectativa é estimular as comunidades locais e, na sequência, conseguir ampliar a inserção para outros alimentos, como as diversas frutas do Cerrado: mangaba, caju, jatobá, entre outros”, diz Flora. As negociações para a inserção de alimentos nativos e sociobiodiversos na chamada pública estava em curso desde o fim de 2024. Um levantamento prévio de comunidades e de produtos que estão mais acessíveis no município indicou a viabilidade do baru e da polpa de pequi em um primeiro momento. Com os dados em mãos e em parceria com as nutricionistas responsáveis pelos cardápios da merenda escolar, chegou-se à lista final de alimentos para inserção na chamada pública. “É importante atuarmos para a formulação das políticas públicas. Fizemos essa incidência na chamada pública e temos outros pontos a considerar sobre a merenda escolar. A merenda é o ponto de confluência, porque não tem como a gente promover educação alimentar nas escolas, estimulando uma alimentação saudável, e fornecer uma alimentação de má qualidade e rica em ultraprocessados”, finaliza Flora.
Formação em educação alimentar chega a Curitiba com o programa Cozinhas e Infâncias

Quando aprendem desde cedo, as crianças semeiam conhecimento por onde vão. São saberes que incluem conhecer seus direitos e deveres, desenvolver habilidades emocionais e técnicas, e aprender a cuidar de si, do outro e do planeta. Para promover a semeadura de saberes sobre alimentação, história e meio ambiente, o Instituto Comida e Cultura (ICC) trabalha, desde 2022, com a formação de educadores por meio do Programa Cozinhas e Infâncias. Em 2025, enquanto esta experiência multidisciplinar inicia sua terceira fase em São Paulo, o Cozinhas e Infâncias chega a Curitiba, capital do Paraná. O projeto acontece por meio de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre o ICC e a Prefeitura de Curitiba, e vem para potencializar o projeto “Mãos na massa”, já em desenvolvimento pela prefeitura nas escolas municipais, a partir da metodologia desenvolvida pelo Instituto Comida e Cultura. “O programa Cozinhas e Infâncias tem o alimento como ferramenta, falando muito da história geral e do Brasil. A gente decoloniza esses conceitos e traz para os educadores, principalmente de cidades no Sul e no Sudeste, uma realidade de um Brasil da qual eles estão mais distantes. E acredito que o mais poderoso nesse curso é ser uma ferramenta de união do grupo de cursistas”, afirma Ana Vasconcelos, facilitadora nos programas de formação do ICC. Onze escolas municipais dos anos finais do ensino fundamental participam do Cozinhas e Infâncias na capital paranaense. Com o apoio do Instituto Bia Rabinovich (IBR), a expectativa é sensibilizar 40 educadores, que serão capazes de disseminar a educação alimentar integrativa e transformar vidas em suas comunidades. O curso é distribuído em sete módulos, ministrados no primeiro semestre de 2025. “Fomentar a educação alimentar nas escolas brasileiras é uma estratégia poderosa de transformação social. Quando investimos na formação de educadores para levarem esse conhecimento às salas de aula, estamos indo muito além da promoção de hábitos saudáveis. Estamos enfrentando desigualdades históricas que afetam milhões de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade”, defende Carla Mourão, diretora executiva do IBR. “Ao capacitarmos educadores da rede pública, damos a eles ferramentas para formar uma geração mais consciente, crítica e preparada para construir um futuro mais justo, sustentável e solidário. E ao patrocinar iniciativas como essa, reafirmamos nosso propósito de fomentar projetos que geram impacto social concreto e contribuem para a construção de um sistema alimentar mais justo, saudável e consciente em todo o Brasil”, completa. De acordo com o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24% da população de Curitiba se autodeclara preta ou parda. Esse percentual faz da cidade a capital com maior número de pessoas negras da região sul do Brasil. E, como resultado das desigualdades sociais por cor e raça no país, percebe-se maiores níveis de vulnerabilidade socioeconômica nas populações preta, parda e indígena. “Há muitas pessoas negras em Curitiba, mas a maior parte é periférica. Uma das professoras participantes é uma mulher negra e relatou o quanto o curso estava sendo importante para ela sentir que está no caminho certo, que não deve desistir. Foi muito emocionante ver que pudemos dar apoio às decisões que ela vai tomar a partir da conscientização de quem ela é”, conta Ana Vasconcelos. A educadora a quem Ana se refere é Lígia Krelling, que atua como técnica da equipe de ciências no Departamento do Ensino Fundamental da Prefeitura de Curitiba. Ela conta que se identificou com a abordagem sobre decolonidade na aula de abertura do Cozinhas e Infâncias. Quando escreveu sua tese de doutorado sobre as hortas comunitárias de Curitiba, Lígia diz que não incluiu o recorte de que a maior parte das pessoas que frequentavam esses espaços eram mulheres negras. Hoje, em outro momento de vida, está lendo sobre a Cida Bento, Sueli Carneiro e outras autoras negras que trazem esse recorte. “Como uma mulher negra, eu preciso participar desse grupo de estudos, e hoje eu já traria uma outra perspectiva para a minha pesquisa. Ao chegar aqui e ver a Ana falando, me identifiquei e me reconheci nela. Fiquei muito feliz de ver uma mulher negra numa posição de destaque e de perceber que o curso vai trazer essa perspectiva decolonial para o currículo e para a questão da alimentação, o que é muito significativo e importante. Esse é um lugar ao qual precisamos pertencer e existir, e agradeço muito a oportunidade de fazer esse curso.” Tem interesse em colaborar conosco? Se você tem um projeto de educação alimentar em andamento e gostaria que o Instituto Comida e Cultura leve sua metodologia pedagógica para a sua cidade, entre em contato conosco neste canal. Juntas e juntos, podemos levar educação alimentar a todas as crianças do Brasil!
Livros para embarcar nos caminhos dos alimentos e na diversidade cultural do Brasil

Estimular a leitura pode ser um grande diferencial nos processos de partilha de saberes. Tanto é que a educação escolar prevê o uso de livros didáticos e paradidáticos na lista de materiais pedagógicos. Mas para além de uma ferramenta de aprendizagem “formal”, a construção do hábito de leitura pode levar crianças e adultos a novos mundos, a mergulhos em sua própria cultura e a uma melhor conexão consigo, com o outro e com o planeta. Pensando nisso, a equipe do Instituto Comida e Cultura (ICC) celebra o Dia Mundial do Livro, comemorado neste 23 de abril, com sugestões de leituras sobre o universo alimentar, a natureza, as infâncias e as nossas heranças culturais. Vamos embarcar juntos nos caminhos dos alimentos e nas diversas culturas do Brasil? Um rio um pássaro, de Ailton Krenak “‘Mas nós continuamos ensinando as nossas crianças. Quando chegamos à Terra, descemos como pássaros que pousam silenciosamente, e um dia partimos de viagem ao céu, sem deixar marcas’. Nesta obra, Ailton Krenak nos leva a uma reflexão profunda sobre como nos desconectamos da natureza, afinal somos ‘ser-natureza’, o alimento é natureza, tudo é natureza. É pura inspiração. E ainda nos ensina com muita poesia e leveza que a beleza da vida está na sua simplicidade.” – Juliana Furlaneto, consultora de comunicação institucional do Instituto Comida e Cultura Memórias da plantação, de Grada Kilomba “Ao ler Memórias da Plantação, de Grada Kilomba, percebo como o racismo estrutural e os legados do colonialismo impactam práticas cotidianas, como a alimentação. Na educação alimentar, é fundamental que as escolhas alimentares e os hábitos sejam vistos não só como questões de saúde, mas também como reflexos de contextos históricos e culturais. Dentro da escola, a educação alimentar pode ser um espaço para questionar e desconstruir os padrões impostos pelo colonialismo, valorizando as tradições alimentares das diversas culturas, especialmente das comunidades que foram marginalizadas. Esse é um ponto essencial: a comida na escola precisa ser entendida como parte de um processo de construção de identidade e de resistência às desigualdades históricas.” – Ariela Doctors, coordenadora-geral do ICC História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo “Dificilmente uma obra foi tão feliz em representar a alma de um povo como em História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo. Com um estilo super original e sofisticado como poucos, mas não por isso menos acessível, o autor nos convida a um mergulho profundo nas origens do patrimônio culinário brasileiro, reflexo de todo o sincretismo e diversidade que moldam nosso país. Um clássico obrigatório que revela o quanto o alimento está no tecido da nossa cultura, economia e sociedade.” – Erika Fischer, consultora de relações institucionais do Instituto Comida e Cultura Comida comum, de Neide Rigo “Neste livro há pouco saído do forno, Neide Rigo nos leva para dentro de sua cozinha e de seu quintal, onde busca incorporar e trazer de volta ao prato espécies de plantas alimentícias hoje pouco presentes na rotina alimentar das famílias, como ora-pro-nóbis e batata-roxa. A leitura nos permite acompanhá-la em suas andanças pelas roças e cultivos de seu convívio, descobrindo e redescobrindo plantas comestíveis, e aprendendo sobre seu cultivo, preparo e consumo.” – Lorena Tabosa, consultora de conteúdo do ICC A casa na árvore, de Tino Freitas e Lúcia Brandão “Desde pequena este é um dos livros preferidos da minha filha. Hoje com 8 anos, ainda me pede para ler junto com ela. Adoramos fazer juntas esse ‘passeio pela Flora e Fauna brasileiras’. Para celebrar a chegada de um novo morador na casa na árvore, a recepção é feita com muito carinho, mimos e alimentos que a própria natureza dá.” – Juliana Furlaneto
Cozinhas e Infâncias inicia formação de professores do ensino fundamental em São Paulo

O Programa Cozinhas e Infâncias chega à terceira fase em São Paulo com a formação de professores em Educação Alimentar e Nutricional (EAN). O primeiro encontro da nova turma ocorreu no fim de março e as aulas acontecem durante todo o semestre. Serão sete módulos que percorrem a história do alimento em paralelo com o desenvolvimento humano no mundo e a sociobiodiversidade, em especial na formação da cultura culinária brasileira. “A proposta é trazer um contorno que evidencia tradições e modos de preparo ancestrais, além da comida de panela em contraponto aos ultraprocessados”, explica Ariela Doctors, coordenadora-geral e coautora de processos pedagógicos do Instituto Comida e Cultura (ICC). Fotos: Fernando Martinho A iniciativa acontece em São Paulo graças a uma parceria instituída por Acordo de Cooperação Técnica entre o ICC, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, por meio de Coordenadoria de Alimentação Escolar (CODAE), e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Com aulas expositivas e práticas, o curso pretende estimular o resgate da história, cultura e biodiversidade brasileiras, do campo à mesa. A nova fase do Cozinhas e Infâncias deve formar 300 professores do ensino fundamental da rede municipal. “Temos a expectativa que as educadoras do ensino fundamental 1 consigam dar continuidade ao que está sendo semeado em EAN desde a primeira infância junto aos estudantes das EMEIs de São Paulo”, completa Ariela. O programa Cozinhas e Infâncias teve início em 2022, em São Paulo. Até 2024, a iniciativa alcançou 546 unidades escolares de Educação Infantil (todas as EMEIs e CMEIs), 569 professores e gestores, 588 cozinheiras e 71 nutricionistas da CODAE. Cerca de 110 mil estudantes (50% do total de alunos) da rede infantil da capital paulista já foram impactados pelo programa. A professora Maria Inês de Souza, da EMEF Érico Veríssimo, conta que cresceu na roça e que busca apresentar alimentos frescos e biodiversos aos seus estudantes. Ela é uma das participantes do Cozinhas e Infâncias este ano e espera ampliar seu repertório pedagógico de educação alimentar. “Essa formação vem agregar ainda mais à importância da alimentação saudável, voltada aos alimentos naturais, e não aos industrrializados”, diz. Para Mariana Soares, facilitadora de processos pedagógicos no ICC, o Cozinhas e Infâncias é uma janela para pensar na conexão com a natureza por meio do alimento saudável, que a terra nos proporciona em sua maior expressão de vida. E é também uma oportunidade para compartilhar momentos felizes em comunidade, em um resgate de memórias afetivas. “Em um passado não muito distante, as crianças viam as mães aprendendo com as avós as receitas que há gerações alimentaram aquela família. Naquela observação, já se preparavam para serem guardiãs daqueles ensinamentos. De geração em geração, construíam aquela cultura alimentar, conectada com o bioma, com o clima, com a estação do ano, com as pessoas, com a natureza como um todo, criando sua próprias formas de transformar o alimento.”
No caminho da luz, todo mundo é preto: educação alimentar racializada para sistemas alimentares mais justos e saudáveis

Artigo de Bruna Crioula, Letícia Borges e Natália Escouto, curadoras da Crioula Curadoria Alimentar “No caminho da luz, todo mundo é preto.” Essa frase, imortalizada na canção Principía, de Emicida, ilumina um princípio fundamental: se a luz é a convergência de todas as cores, a educação alimentar racializada é um chamado para se reencontrar e incorporar pela centralidade da negritude na construção dos saberes alimentares que sustentam nossas comunidades. Alimentação é memória, tecnologia social e conexão com o sagrado. Comer é um ato carregado de sentidos, e nesse ato reconhecemos que a comida é também história, cultura e patrimônio que precisa ser cuidado, zelado e difundido entre gerações de forma contínua e permanente. Aprendemos com nossas mestras, mestres e matriarcas, como Nego Bispo e Makota Valdina, que a alimentação nunca foi apenas sobre nutrientes e calorias, mas sobre pertencimento e autonomia. Fomos socializados a partir de uma visão eurocêntrica que nos afastou das conexões ancestrais que sempre nos foram passadas através do alimento. Mas comida é resgate. Sabor e estética se confundem com histórias e sensações. Cada tempero, cada prato, cada ritual ao redor da mesa carrega ensinamentos que sobrevivem ao tempo. A Crioula Curadoria Alimentar nasce desse desejo de reencontro. Trabalhamos para fortalecer saberes africanos e indígenas sobre alimentação, promovendo uma educação alimentar que respeita e valoriza a diversidade dos sistemas alimentares tradicionais. Nossa ESCOLACrioula – ancestralidade alimenta é um espaço de aprendizado e compartilhamento, onde a comida volta a ocupar seu lugar como ferramenta de saúde, soberania alimentar e justiça social. Nosso curso “Alimentação Saudável numa Afroperspectiva” questiona o que significa se alimentar bem. O que é saúde quando olhamos desde as cosmovisões negras e diaspóricas? Como os alimentos tradicionais das nossas culturas sustentaram vidas e resistências por séculos? Mergulhamos nos saberes alimentares que sempre promoveram equilíbrio, longevidade e bem-estar, antes mesmo que a ciência ocidental os validasse. Saúde não é apenas ausência de doença, mas também prazer, memória e conexão com a terra. Já em “Mato é Comida? Conheça as PANC ancestrais”, nos aproximamos da sociobiodiversidade alimentar e o conhecimento sobre as Plantas Alimentícias Não Colonizadas (PANC ancestrais), que sempre estiveram presentes nas cozinhas quilombolas, indígenas e periféricas. Muitas dessas plantas, hoje esquecidas ou marginalizadas, já foram fundamentais para a segurança alimentar de nossas comunidades. Resgatar esses saberes é um ato de autonomia e resistência. Imaginamos um mundo onde a merenda escolar invada as salas de aula, onde professores utilizam uma receita ou um ingrediente para ensinar história, geografia e ciências. Onde cozinhas comunitárias se tornam espaços de aprendizado, onde agricultoras, merendeiras e cozinheiras de quilombos e terreiros compartilham seu conhecimento como protagonistas de uma nova educação alimentar. Precisamos romper com a lógica de que aprender sobre comida é um exercício distante de quem cozinha, planta e cuida da alimentação. Pensar em uma educação alimentar racializada é partir de um berço cultural africano e diaspórico, onde a relação entre ser humano e natureza é de integração e não de exploração. É aprender a olhar para nossos sistemas alimentares com a consciência de que a monocultura, a fome e a desnutrição são construções coloniais. É resgatar o que sempre foi nosso: a autonomia sobre o que plantamos, preparamos e comemos. Se nossos pratos são janelas para entender o mundo, queremos que cada refeição seja um convite à memória, à identidade e à transformação. No caminho da luz, todo mundo é preto. E a Crioula Curadoria Alimentar segue abrindo caminhos para que essa luz brilhe cada vez mais forte cozinhando ideias para futuros nutridos. Sobre as autoras Bruna Crioula – nutricionista ecológica, mestre em Ciências. Matrigestora da Crioula Curadoria Alimentar e Coordenadora Geral da ESCOLACrioula – ancestralidade alimenta. Natália Escouto – gastróloga, pesquisadora e educadora alimentar. Especialista em Educação Alimentar. Curadora e Coordenadora Pedagógica na Crioula Curadoria Alimentar. Escreve sobre alimentação no projeto Cozinhe sua História. Letícia Borges – cozinheira, idealizadora e gestora da Folias Gastronômicas, educadora alimentar, e entusiasta das PANC ancestrais. Oferecer esse conhecimento usando as possibilidades encontradas na natureza e transformar a relação das pessoas com o alimento é seu propósito. Focalizadora de Danças Circulares Sagradas, doula, mãe do João e do Pedro. Filha de Terezinha e neta de Isaltina, poeta e curadora na Crioula Curadoria Alimentar.
Tomate: você sabia que este fruto é latinoamericano?

Quem nunca olhou para um tomate, ou ainda, para um pote de molho de tomate, e logo pensou em algum prato italiano? A crença de que os tomates são nativos da Itália passa de geração em geração, já que a fruta – sim, o tomate é um fruto! – é um ícone da culinária italiana, usado em muitos pratos, incluindo massas, ensopados e conservas. Sua origem, no entanto, está na América Latina. A jornada do tomate começou como uma planta selvagem encontrada no Equador, no Peru e no Chile. Depois, foi migrando mais para o norte do continente, onde os maias e os astecas trabalharam seu cultivo e modificaram a planta em variedades maiores e mais comestíveis. O nome “tomate”, inclusive, vem da palavra asteca para a planta, “tomatl”. As expedições de Cristóvão Colombo, sob as ordens da Coroa Espanhola, deram início à migração dos alimentos americanos para a Europa. De lá, se espalharam também pela África e pela Ásia, levados na bagagem de comerciantes. Assim, o tomate chegou à Itália ainda no século 16 e, por algum tempo, não caiu no gosto dos europeus por ser considerado uma planta tóxica. “Na própria Itália, embora do tomate fosse comido em salada – ‘com sal, pimenta e óleo, como se comem pepinos’, dizia em 1704 o Dicionário de Trévaux –, o molho de tomate, como tempero para massas, apareceu tardiamente: no século 18, nem os livros de cozinha nem os viajantes registram sua existência”, explicam os pesquisadores Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari no livro História da Alimentação. A popularização do tomate na Itália só aconteceu no século 19, quando o espaguete ao pomodoro (tomate, em italiano) ganhou as cozinhas e as barracas de comida de Nápoles, no sul do país. Mas a grande virada veio no século 20, quando muitos imigrantes italianos chegaram aos Estados Unidos e passaram a importar as conservas de tomate, seja em pasta, passata ou molho, da Itália. Nessa época, os produtos também eram exportados para o Reino Unido e logo se tornaram um símbolo da economia e da cultura italiana. A variedade mais famosa dos tomates italianos é a San Marzano. Uma curiosidade é que, atualmente, os frutos dessa variedade consumidos na Itália e pelo mundo são, na verdade, produzidos nos Estados Unidos. Um tesouro nacional que hoje precisa ser importado pelos italianos devido à forma como produzimos os alimentos em todo o mundo, uma agricultura intensiva que agride o meio ambiente. No Brasil, o tomate está nas saladas dos PFs, nas feiras, no quintal de casa, nos jardins comestíveis do bairro e na merenda escolar. É um fruto americano, que podemos celebrar e saborear com gosto. Sugerimos que experimente diversificar seus usos, como na brusqueta de tomate e cambuci que publicamos no e-book Receitas com memórias, produzido pelo Instituto Comida e Cultura (ICC) em 2024. O material foi entregue às cozinheiras escolares participantes do Programa Cozinhas e Infâncias em São Paulo, uma parceria do ICC com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Acesse aqui a receita da Brusqueta de tomate e cambuci, super prática para fazer com as crianças. Esperamos que goste!
Receita Cozinhas e Infâncias: brusqueta de cambuci

O tomate está presente em muitas receitas pelo Brasil afora, desde saladas e vinagretes até molhos e ensopados diversos. Ele é um fruto nativo da América, como explicamos neste artigo do site. Mas queremos propor um passeio pela nossa terra com outra fruta latinoamericana, dessa vez nativa do Brasil: o cambuci. O cambuci é originário do bioma da Mata Atlântica, com maior incidência no estado de São Paulo. O cambucizeiro pode chegar a oito metros de altura e dá frutos de formato ovóide, que lembram um disco voador, que amadurecem de janeiro a abril. São ligeiramente doces, mas com acidez que faz as vezes do limão em alguns preparos. Aqui, sugerimos um delicioso encontro entre duas frutas nativas do nosso continente em uma brusqueta de tomate e cambuci. A receita faz parte do e-book do Programa Cozinhas & Infâncias, disponibilizado para as cozinheiras escolares da rede de ensino infantil cidade de São Paulo, em 2024. O projeto foi uma parceria entre o Instituto Comida e Cultura, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Confira a receita! Brusqueta de tomate e cambuci Rendimento: mais de 30 porções Ingredientes 3 unidades de pão italiano fatiado 18 unidades de tomates italianos médios e maduros 6 cambucis frescos 6 dentes de alho Azeite de oliva Sal a gosto 150 g de queijo parmesão (pedaço) 1 maço de manjericão fresco Modo de preparo Corte um dente de alho ao meio e esfregue em cada fatia de pão italiano. Disponha as fatias em uma assadeira e leve ao forno preaquecido a 180ºC por 10 minutos. Enquanto isso, pique os tomates, os cambucis e os dentes de alho e junte tudo em uma tigela. Regue com azeite, tempere com sal e misture. Rale o queijo parmesão. Coloque o vinagrete sobre as torradas e cubra com o parmesão ralado. Leve ao forno apenas para gratinar. Acrescente as folhas de manjericão sobre as brusquetas e sirva imediatamente.
Alimentação tradicional nas escolas de Mato Grosso gera renda e fortalece cultura, saúde e meio ambiente

Articulações entre Catrapovos – MT, sociedade civil, poder público e povos e comunidades tradicionais ampliam acesso ao PNAE Conteúdo original do Instituto Socioambiental, com reportagem de Ana Amélia Hamdan Banana, manga, mamão, pequi, cana, macaxeira, murici, tucunaré, matrinxã, pintado, amendoim, mel, pirão, beiju. Já pensou ter seus filhos e filhas matriculados em uma escola que ofereça aos alunos produtos recém-colhidos nas roças e na floresta, além de peixes frescos? Alimentos como esses, que saem das mãos e do trabalho de pequenos produtores — muitos deles pais e parentes dos estudantes — estão chegando a algumas escolas de Mato Grosso. Um exemplo é a Escola Estadual Indígena Hadori, na Terra Indígena São Domingos, do povo Iny, conhecido como Karajá, no município de Luciara (MT), que está desenvolvendo um projeto-piloto e este ano irá fornecer a seus cerca de 90 alunos alimentos produzidos na própria comunidade. Essa mudança está acontecendo com a articulação da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos em Mato Grosso (Catrapovos – MT). A comissão reúne parceiros e busca a adequação e ampliação do acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), possibilitando que agricultores indígenas, quilombolas, extrativistas, retireiros, pantaneiros, morroquianos e ribeirinhos consigam fornecer seus produtos às escolas das comunidades. No cardápio da Escola Hadori, a língua indígena já indica a mudança que vai aparecer no prato. Os alunos vão poder comer Irá mare (mandioca e beiju), Krose (cucuz), Ijore Benôra (sopa de peixe), Uxé (farofa de peixe) e Iwerú (canjica). Diretor da escola, Célio Kawina Ijavari comemorou. “Nosso povo vai vender peixe, farinha, abóbora, batata doce, mandioca. Vai melhorar a merenda!” A chamada pública específica para aquisição dos alimentos dos povos e comunidades tradicionais aconteceu no início deste ano, sendo que seis produtores da comunidade foram cadastrados. Célio Kawina Ijavari conta que, no ano passado, a escola promoveu uma atividade sobre alimentação saudável e serviu pratos tradicionais, usando os produtos locais. A comunidade escolar aprovou. “A comunidade pensou em vender o seu produto para os alunos comerem, valorizando a alimentação do nosso povo e incentivando o cultivo. Essa é a nossa ideia”, relatou. Segundo o diretor, na comunidade, as pessoas estão consumindo muitos industrializados. O programa pode apoiar no resgate da alimentação tradicional e mais saudável. E, ainda, incentivar o sistema agrícola tradicional do povo Iny, inclusive despertando o interesse dos mais jovens. Catrapovos As ações que vêm acontecendo a partir da Catrapovos – MT têm como semente a Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa), criada por iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) e que busca a adequação de políticas públicas de aquisição de alimentos à realidade local dos povos e comunidades tradicionais. A iniciativa acabou se transformando em uma mesa nacional permanente de debates sobre o tema e dando origem às comissões nos estados. “A política impulsiona toda uma cadeia positiva. E a Catrapovos busca desburocratizar e ampliar acessos e benefícios, fortalecendo os sistemas agrícolas, a alimentação saudável e as tradições por trás de cada alimento. Também, promove a geração de renda local, sendo alternativa a outros sistemas que trazem grandes impactos aos territórios e aos modos de vida tradicionais, como madeira, soja e garimpo”, explicou o engenheiro agrônomo Marcelo Martins, analista do ISA e atuante na Catrapovos – MT. Em Mato Grosso, o grupo foi formalizado em junho de 2022 e se reúne mensalmente. Marcelo Martins contou que um dos primeiros passos foi a elaboração do regimento e da carta de princípios. A antropóloga Luísa Tui Rodrigues Sampaio, analista do ISA, também integra a Catrapovos – MT. “Com nossa atuação, estamos unindo as pontas, ou seja, os produtores, as escolas e as entidades parceiras, como a Secretaria de Estado de Educação, a Seduc”, disse. Outro trabalho que vem sendo desenvolvido junto às comunidades a partir da Catrapovos é o levantamento da produção: qual alimento pode ser fornecido e em qual quantidade. A informação é repassada para a Seduc, que elabora o cardápio incluindo os produtos tradicionais. A Funai também está produzindo um diagnóstico da produção em algumas das comunidades indígenas. “Buscamos soluções por meio do debate sobre a alimentação. E esse diálogo se relaciona com a segurança e a soberania alimentar e com outros temas urgentes, como mudanças climáticas, queimadas, desmatamento e uso de agrotóxicos. As comunidades já vêm percebendo, há mais tempo, impactos como a perda de sementes e a dificuldade em alguns cultivos.” Gestor de projetos no ICV, Eriberto Muller relatou que, em dois anos de atuação, a Catrapovos – MT conseguiu avanços importantes ao reunir instituições em torno da pauta da alimentação tradicional nas escolas. Um dos impactos positivos que ele cita é na saúde. “As mulheres indígenas relatam aumento de doenças como diabetes e colesterol alto que foram trazidas pelas alimentação convencional nas aldeias e nas escolas. Esse depoimento é preocupante”, afirmou. Ele apontou ainda que a mobilização da comunidade para participação no PNAE promove o reconhecimento do potencial produtivo dos povos tradicionais, abrindo possibilidades de novos caminhos, como fornecimento de produtos para outros mercados institucionais, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Yaiku Suyá, representante da Associação Terra Indigena Xingu (Atix) na Catrapovos – MT, reforçou que é muito importante que a alimentação tradicional esteja nas escolas. “O alimento tradicional é muito rico, traz saúde. A comida de fora, da cidade, a gente não sabe a maneira que foi feita e pode fazer mal. Sabemos que tem muito agrotóxico”, refletiu. Ele ponderou que a lista de alimentos que podem ser vendidos às escolas deve ser ampliada, com inclusão de itens locais. Projeto-piloto A Escola Estadual Indígena Hadori foi escolhida para desenvolver o projeto-piloto porque reuniu as condições para participar do PNAE — a escola estava mobilizada e havia agricultores interessados em fornecer seus produtos. Mas, ainda assim, não conseguia acessar o programa. Um grupo de trabalho envolvendo a Secretaria Executiva da Catrapovos e o MPF-MT, por meio do procurador Ricardo Pael Ardenghi, foi responsável pela mobilização para a execução do projeto-piloto e irá acompanhar de perto as ações para identificar gargalos e potenciais. A experiência poderá ser expandida para outras