Manifesto pede que alíquotas do imposto seletivo sejam altas o suficiente para reduzir consumo de tabaco, álcool, bebidas açucaradas e bets

Apesar de estar fora dos holofotes, a reforma tributária do consumo ainda não foi concluída. E nesse contexto, especialistas sociedades médicas, grupos de pesquisa e organizações da sociedade civil lançaram hoje (19/8) o “Manifesto em defesa da saúde na Reforma Tributária”, que pede que a alíquota do imposto seletivo sobre tabaco, álcool, bebidas açucaradas e bets seja alta o suficiente para reduzir seu consumo e as doenças e mortes associadas a esses produtos. O texto completo e lista de signatários está disponível aqui. O documento é assinado por mais de 30 especialistas no campo da saúde e alimentação saudável, como (…) Drauzio Varella, Margareth Dalcomo, Rita Lobo, Bela Gil, Daniel Becker, e ex-ministros como José Gomes Temporão, Arthur Chioro, José Francisco Graziano da Silva, entre outros. Organizado pela ACT Promoção da Saúde, o manifesto conta também com a assinatura de mais de 100 entidades e grupos de pesquisa como (….) como a Sociedade Brasileira de Pediatria, Sociedade Brasileira de Diabetes, Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), Abeso, Greenpeace Brasil, Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Instituto Alana, entre outras. Impactos na saúde e prejuízos para o Brasil O manifesto chama a atenção para a definição das alíquotas do imposto seletivo, que vai incidir sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, como tabaco, álcool, bebidas açucaradas e bets. O governo prepara uma proposta de projeto de lei com a definição das alíquotas, que deve ser enviado nas próximas semanas ao Congresso Nacional. O texto do manifesto relembra que a tributação mais alta de produtos nocivos é uma política adotada por dezenas de países, defendida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e que pode prevenir doenças, salvar vidas e economizar recursos públicos para o SUS. Estudos mostram que, apenas no Brasil, o consumo de tabaco, álcool e refrigerantes provocam prejuízos de pelo menos R$175 bilhões de reais por ano. Além de trazer dados sobre o impacto negativo do tabaco, álcool e refrigerantes na saúde da população e no meio ambiente, o texto denuncia a pressão das indústrias de produtos nocivos, que buscam influenciar governo e Congresso para que a alíquota do imposto seletivo seja a mais baixa possível. “É por isso que alertamos a sociedade e recomendamos ao Governo e ao Congresso Nacional para que considerem as melhores evidências científicas disponíveis, sem conflito de interesse, e façam cumprir a função constitucional do imposto seletivo de salvar vidas. A saúde da população deve ser protegida a despeito da pressão exercida por indústrias que lucram com o adoecimento do povo brasileiro, e buscam se esquivar da justa tributação”, conclui o manifesto.
A hora e a vez da Educação Alimentar e Nutricional: Seminário foi marcado por um convite à mobilização

Saiba como foi o evento que aconteceu no Instituto de Estudos Avançados da USP
Policy Brief defende Educação Alimentar nas escolas como resposta às epidemias de obesidade e mudanças climáticas

O Instituto Comida e Cultura (ICC) lança manifesto que defende a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) como política pública estruturante.
Instituto Comida e Cultura e IEA promovem seminário sobre Educação Alimentar e Nutricional na USP

Evento discute o papel estratégico da Educação Alimentar frente à crise climática, às desigualdades sociais e à desinformação No dia 11 de agosto, acontece o seminário “A Hora e a Vez da EAN”, realizado a partir de uma parceria entre o Instituto Comida e Cultura (ICC) e o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. O evento, que também conta com o apoio da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP, tem como objetivo posicionar a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) no centro dos debates sobre educação, cultura alimentar, saúde e justiça social. Com painéis e bate-papos entre especialistas para discutir políticas públicas, práticas educativas e o papel da alimentação na promoção da equidade e cidadania, a atividade acontece entre 14h e 18h, no IEA-USP, na Cidade Universitária, com transmissão ao vivo pelo YouTube. “O evento marca uma articulação potente entre sociedade civil, academia e poder público para fortalecer a educação alimentar e nutricional como prática contínua nas escolas e como política pública de impacto intersetorial. Queremos ampliar essa conversa, sensibilizar gestores e apoiar educadores na construção de uma agenda positiva e transformadora na garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada”, comenta Patrícia Jaime, vice-diretora da Faculdade de Saúde Pública da USP e pesquisadora do IEA. Durante o seminário, será lançado o manifesto “A Hora e a Vez da Educação Alimentar”, documento que defende a EAN como política pública estruturante no contexto de sindemia global, que descreve a interseção de múltiplas epidemias como a obesidade, a desnutrição, as doenças crônicas não transmissíveis e as mudanças climáticas. O documento também apresenta sete recomendações aos gestores públicos para implementação efetiva da EAN nas escolas. Consulte o material completo aqui. O encontro é direcionado a profissionais de educação, saúde e assistência social e agricultura, além de professores, estudantes de graduação e pós-graduação, pesquisadores, gestores públicos e representantes de movimentos sociais e da sociedade civil organizada.
Feira de produtores e seminário sobre educação alimentar acontece em Chapada dos Guimarães-MT em julho

Evento gratuito é promovido pelo Instituto Comida e Cultura na Escola Estadual Rafael de Siqueira, com apoio da Prefeitura de Chapada dos Guimarães e do Ministério Público do Mato Grosso O município de Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, recebe o seminário “Cozinhas & Infâncias: Educação e Alimentação Escolar no Cerrado” no dia 5 de julho. O evento acontecerá na Escola Estadual Rafael de Siqueira. A programação inclui a apresentação de projetos pedagógicos em Educação Alimentar e Nutricional (EAN), além de uma feira de alimentos da sociobiodiversidade cultivados por produtores locais e atividades pensadas para as crianças. Os projetos em EAN são fruto do Programa Cozinhas e Infâncias na Chapada dos Guimarães, uma formação em educação alimentar voltada para professores, cozinheiras e gestores escolares, promovida pelo Instituto Comida e Cultura (ICC) em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e o Ministério Público. “Com a inserção da educação alimentar na rotina escolar, é possível envolver toda a comunidade, desde a valorização do trabalho das cozinheiras enquanto educadoras, com a introdução de novas receitas, até o incentivo à gestão pública na compra e fomento de alimentos da sociobiodiversidade local. Para que a educação alimentar e nutricional nas escolas seja eficaz, é importante que essas ações sejam contínuas e permanentes”, destaca Flora Camargo, facilitadora de processos pedagógicos do Instituto Comida e Cultura. O seminário “Cozinhas & Infâncias: Educação e Alimentação Escolar no Cerrado” pretende ser uma oportunidade de polinizar as ações das educadoras que fizeram a formação do ICC, para que outros professores da rede municipal se inspirem a desenvolver suas próprias ações pedagógicas em EAN. “O projeto Cozinhas e Infâncias atua na base da educação alimentar de nossas crianças, trabalhando no ambiente onde elas passam a maior parte do tempo: as escolas. Nesta terceira etapa, o projeto visa fortalecer os profissionais que cozinham nas escolas públicas do município, ensinando técnicas inovadoras com alimentos locais. O objetivo também é reforçar o Guia Alimentar para a População Brasileira nas escolas públicas”, afirma Leandro Volochko, promotor de Justiça de Chapada dos Guimarães. Para Benedito Lechner, secretário municipal de Educação, o projeto do Instituto Comida e Cultura tem sido uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento alimentar educacional de Chapada dos Guimarães, especialmente considerando o perfil da população da zona rural. “Temos vários servidores engajados nesse projeto, alguns participando pela terceira edição, o que demonstra o impacto e a continuidade dessa iniciativa”, avalia. “Os professores estão adquirindo conhecimentos valiosos sobre os produtos do Cerrado, aprendendo a valorizá-los e a incorporá-los na alimentação escolar. Esse aprendizado já trouxe resultados concretos, como a inclusão do pequi e da farinha de baru no pregão eletrônico da merenda escolar, garantindo que nossos alunos tenham acesso a ingredientes naturais e nutritivos”, completa. Além das apresentações dos projetos das educadoras, a programação do seminário inclui uma mesa redonda sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e haverá distribuição do “Guia Orientador Educação Alimentar e Nutricional nas escolas municipais de Chapada dos Guimarães”, um manual desenvolvido pelo Instituto Comida e Cultura para auxiliar na implementação de práticas pedagógicas que promovam a reconexão com o alimento e o meio ambiente. Atividades para as crianças e a “Feira Sabores e Saberes” completam a agenda, e será possível comprar alimentos direto dos produtores, com foco na biodiversidade local. SERVIÇO: Seminário Cozinhas & Infâncias: Educação e Alimentação Escolar no Cerrado Feira de produtores com alimentos do Cerrado, atração cultural, rodas de conversa sobre educação alimentar, exibição de filme e atividades para as crianças. Local: Escola Estadual Rafael de Siqueira – Rua Tiradentes, 350, Chapada dos Guimarães/MT Quando: 5 de julho, das 8h às 13h30 Programação completa: 8h às 8h30 – Boas-vindas e abertura da feira8h30 às 10h30 – Apresentação de projetos: Educação Alimentar e Nutricional – Autonomia e Permanência10h30 às 11h – Intervalo com lanche11h às 11h30 – Performance cultural11h30 às 13h30 – Mesa redonda: Programa Nacional de Alimentação Escolar e suas diretrizes na Chapada dos Guimarães Programação para as crianças: 8h30 às 10h30 – Exibição de filme11h às 13h30 – Oficinas pedagógicas e lúdicas Feira Saberes e Sabores (produtores locais): aberta durante todo o evento, das 8h às 13h30.
O paladar infantil é sempre uma proposta adulta

Artigo de Murilo Góes, integrante do projeto ComidaETC O que mais me mobiliza a interagir com os estudos sobre culturas alimentares é o fato de que todos nós precisamos comer. Como seres sociais complexos, escolhemos o que deglutir, sempre que possível; nesse sentido é que desde a infância a comida, além de nutrir nossa fisiologia, torna-se também responsável por desenvolver identidades. Ingredientes e pratos são assimilados a dietas alimentares por fatores históricos, sociológicos, ambientais, econômicos, e, portanto, culturais. A comida também envolve uma série de escolhas relacionadas à preparação e ao consumo que ampliam a cadeia de sentidos. Espelhamos o que comemos, mas também comemos o que simbolicamente reflete nossas identidades. Nessa perspectiva, conversar sobre comida é uma proposta expandida de leituras, em que frequentemente dialogamos com as diversidades e também as adversidades – sobretudo em geografias marcadas por desigualdades socioeconômicas. Antes mesmo de ser infantil, o meu paladar, por exemplo, foi perversamente gestado pela industrialização adulta dos anos 90 e literalmente amamentado com muito açúcar, muita gordura, personagens animados, propagandas questionáveis, brindes diversos, status de pertencimento e uma persistente promessa de praticidade para que meus pais preparassem nossas refeições. Diversos já são os estudos demarcadores da relação entre alimentação e saúde. Procuro destacar que o conceito de saúde contempla reflexões sociais de múltiplos horizontes, que incluem sustentabilidade ecológica, bem-estar e identidade cultural – isso se ficarmos apenas em alguns exemplos. Para falar em saúde, no entanto, costumeiramente priorizamos referenciações fundamentadas em doenças. Nesse sentido, sublinho que, desde 1948, a Organização Mundial de Saúde compreende a obesidade como doença crônica, progressiva e recidivante – o que hoje já determina um cenário de epidemia global, afetando também crianças e bebês, por causas variadas e prioritariamente ligadas à alimentação. Se a comida, portanto, modula uma coletividade em identidades e tradições, defendo que também é possível mobilizar uma cultura a partir das reflexões proporcionadas pela comida nos muitos contextos em que ela é presentificada. Exatamente por isso que pensar na escola como espaço educativo onde há oferta de comida permite considerar inúmeras perspectivas para alimentar o debate. Analisando dados do Censo Escolar de 2023 relacionados à educação infantil, as dinâmicas de alimentação escolar corroboraram para o desenvolvimento de cerca de 6,8 milhões de crianças atendidas nacionalmente entre creches e pré-escolas. Se parearmos com os dados registrados pelo Censo Demográfico de 2022, concluímos que cerca de 44% do total de crianças brasileiras de até 5 anos alimentam-se nas instituições públicas relativas à primeira etapa da educação básica. Por se relacionar com expressivo percentual de pessoas diretamente impactadas, e considerando que a oferta de refeições acompanha o funcionamento das unidades de educação que acontece, em média, 5 dias por semana, é preciso reconhecer a relevância que a alimentação escolar assume na nutrição, bem como na arquitetônica do paladar e da cultura alimentar de uma densa coletividade de crianças no país. Alimentação escolar refere-se a “todo alimento oferecido no ambiente escolar, independentemente de sua origem, durante o período letivo”, conforme definição da lei 11.947, de 2009, que institui as principais diretrizes para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE. Os textos que delineiam o programa também destacam a relevância de oportunizar práticas para educação alimentar e nutricional, bem como uma oferta de refeições que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis. Na educação infantil, convém realçar, vivências de alimentação encenam oportunidades para articulação de experiências e de saberes das crianças com conhecimentos que fazem parte dos patrimônios cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico – indicados, por exemplo, na definição de currículo evidenciada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), em 2009. As duas orientações legais aqui citadas posicionam a prática de comensalidade diretamente vinculada a fatores culturais e projetam oportunidade de a Alimentação Escolar ensejar essa lógica. Para isso, além de uma oferta de refeições que supere o conceito de alimentação saudável exclusivamente imbricado a referências nutricionais, torna-se necessário investir em ações de Educação Alimentar e Nutricional que também reconheçam as representações e os conhecimentos associados à sociabilidade do comer. Entendendo que as normativas expressam movimentos dialógicos, sigo no desejo de que a abordagem sobre cultura alimentar e seus horizontes de possibilidades educativas consiga interagir com iniciativas ligadas à integração das ações de cuidado e de educação com crianças pequenas. Talvez nessa direção possamos redimensionar campos semânticos do “paladar infantil” para que crianças sejam menos impactadas pela mercantilização precarizada de um comer que cada vez mais problematiza índices de qualidade de vida. Sobre o autor Murilo Góes é gastrônomo e professor, mestre em Ensino de Humanidades e doutorando em educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Desenvolve eventos e trabalhos artísticos sobre alimentação, além de pesquisas sobre potencialidades educativas da comida.
Cozinhas e Infâncias leva educação alimentar ao Mato Grosso, com resgate da sociobiodiversidade

Primeiro município a receber o programa Cozinhas e Infâncias Territórios, Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, tem o Cerrado estampado em suas ruas, mesas, rostos. O segundo maior bioma brasileiro é repleto de saberes e sabores próprios, e uma cultura alimentar rica e diversa pronta para ganhar espaço nas cozinhas das novas gerações. Esse resgate da sociobiodiversidade é um dos objetivos do Cozinhas e Infâncias, promovido no território pelo Instituto Comida e Cultura (ICC), em parceria com o Ministério Público de Mato Grosso, a Promotoria de Justiça de Chapada dos Guimarães e a Prefeitura de Chapada dos Guimarães. O programa é uma formação em educação alimentar voltada a professores, nutricionistas, cozinheiras e gestores escolares da rede pública de ensino. A imersão em Chapada dos Guimarães teve início em 2023, com atividades pedagógicas que estimulam a reconexão com o entorno e com as culturas alimentares ancestrais. Ao final de duas fases formativas, 40 educadores estavam capacitados a levar a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) a suas comunidades escolares, com um alcance de cerca de 1.000 crianças beneficiadas. Em 2025, o programa chegou à sua terceira fase no município, com foco no auxílio à implementação das práticas pedagógicas em educação alimentar idealizadas pelas professoras. “O projeto Cozinhas e Infâncias trabalha pela educação alimentar e mergulha na cultura culinária local como porta de entrada para o debate da sociobiodiversidade. Ele conecta práticas agrícolas que apoiam a produção de alimentos, identidade e tradições, sabores, saúde, educação e meio ambiente, para motivar e movimentar um espaço político favorável à sua conservação”, explica Daniella Brochado, coordenadora pedagógica e de relações étnico-raciais do Instituto Comida e Cultura. “Hoje, o Cerrado é nosso bioma mais ameaçado e o projeto convoca educadores do ‘coração do Brasil’ a uma reflexão emancipatória sobre as possibilidades de sistemas alimentares mais saudáveis a partir de uma atitude protagonista e uma nova consciência alimentar”, completa. No caso de Chapada dos Guimarães, a valorização dos saberes e sabores do Cerrado traduziu-se ainda na atuação do ICC junto à prefeitura para inserção de produtos da sociobiodiversidade na Chamada Pública do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do município. No edital de compras de alimentos para a merenda escolar de 2025 figuram o pequi, fruta nativa que é considerada o “ouro do Cerrado”, e a castanha de baru, oleaginosa rica em nutrientes e que também tem origem no bioma. Para Flora Camargo, facilitadora de processos pedagógicos no ICC, a inserção do pequi e do baru na Chamada Pública do PNAE representa um grande avanço, pois deve beneficiar as comunidades por meio de geração de renda e valorização das culturas e saberes locais, aliado à conservação do Cerrado. “Essa ação representa um primeiro passo necessário para uma jornada maior que visa olhar para a educação alimentar e nutricional nas escolas por meio do fortalecimento dos territórios e da mudança dos cardápios, priorizando os produtos in natura aos ultraprocessados. Nossa expectativa é estimular as comunidades locais e, na sequência, conseguir ampliar a inserção para outros alimentos, como as diversas frutas do Cerrado: mangaba, caju, jatobá, entre outros”, diz Flora. As negociações para a inserção de alimentos nativos e sociobiodiversos na chamada pública estava em curso desde o fim de 2024. Um levantamento prévio de comunidades e de produtos que estão mais acessíveis no município indicou a viabilidade do baru e da polpa de pequi em um primeiro momento. Com os dados em mãos e em parceria com as nutricionistas responsáveis pelos cardápios da merenda escolar, chegou-se à lista final de alimentos para inserção na chamada pública. “É importante atuarmos para a formulação das políticas públicas. Fizemos essa incidência na chamada pública e temos outros pontos a considerar sobre a merenda escolar. A merenda é o ponto de confluência, porque não tem como a gente promover educação alimentar nas escolas, estimulando uma alimentação saudável, e fornecer uma alimentação de má qualidade e rica em ultraprocessados”, finaliza Flora.
Formação em educação alimentar chega a Curitiba com o programa Cozinhas e Infâncias

Quando aprendem desde cedo, as crianças semeiam conhecimento por onde vão. São saberes que incluem conhecer seus direitos e deveres, desenvolver habilidades emocionais e técnicas, e aprender a cuidar de si, do outro e do planeta. Para promover a semeadura de saberes sobre alimentação, história e meio ambiente, o Instituto Comida e Cultura (ICC) trabalha, desde 2022, com a formação de educadores por meio do Programa Cozinhas e Infâncias. Em 2025, enquanto esta experiência multidisciplinar inicia sua terceira fase em São Paulo, o Cozinhas e Infâncias chega a Curitiba, capital do Paraná. O projeto acontece por meio de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre o ICC e a Prefeitura de Curitiba, e vem para potencializar o projeto “Mãos na massa”, já em desenvolvimento pela prefeitura nas escolas municipais, a partir da metodologia desenvolvida pelo Instituto Comida e Cultura. “O programa Cozinhas e Infâncias tem o alimento como ferramenta, falando muito da história geral e do Brasil. A gente decoloniza esses conceitos e traz para os educadores, principalmente de cidades no Sul e no Sudeste, uma realidade de um Brasil da qual eles estão mais distantes. E acredito que o mais poderoso nesse curso é ser uma ferramenta de união do grupo de cursistas”, afirma Ana Vasconcelos, facilitadora nos programas de formação do ICC. Onze escolas municipais dos anos finais do ensino fundamental participam do Cozinhas e Infâncias na capital paranaense. Com o apoio do Instituto Bia Rabinovich (IBR), a expectativa é sensibilizar 40 educadores, que serão capazes de disseminar a educação alimentar integrativa e transformar vidas em suas comunidades. O curso é distribuído em sete módulos, ministrados no primeiro semestre de 2025. “Fomentar a educação alimentar nas escolas brasileiras é uma estratégia poderosa de transformação social. Quando investimos na formação de educadores para levarem esse conhecimento às salas de aula, estamos indo muito além da promoção de hábitos saudáveis. Estamos enfrentando desigualdades históricas que afetam milhões de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade”, defende Carla Mourão, diretora executiva do IBR. “Ao capacitarmos educadores da rede pública, damos a eles ferramentas para formar uma geração mais consciente, crítica e preparada para construir um futuro mais justo, sustentável e solidário. E ao patrocinar iniciativas como essa, reafirmamos nosso propósito de fomentar projetos que geram impacto social concreto e contribuem para a construção de um sistema alimentar mais justo, saudável e consciente em todo o Brasil”, completa. De acordo com o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24% da população de Curitiba se autodeclara preta ou parda. Esse percentual faz da cidade a capital com maior número de pessoas negras da região sul do Brasil. E, como resultado das desigualdades sociais por cor e raça no país, percebe-se maiores níveis de vulnerabilidade socioeconômica nas populações preta, parda e indígena. “Há muitas pessoas negras em Curitiba, mas a maior parte é periférica. Uma das professoras participantes é uma mulher negra e relatou o quanto o curso estava sendo importante para ela sentir que está no caminho certo, que não deve desistir. Foi muito emocionante ver que pudemos dar apoio às decisões que ela vai tomar a partir da conscientização de quem ela é”, conta Ana Vasconcelos. A educadora a quem Ana se refere é Lígia Krelling, que atua como técnica da equipe de ciências no Departamento do Ensino Fundamental da Prefeitura de Curitiba. Ela conta que se identificou com a abordagem sobre decolonidade na aula de abertura do Cozinhas e Infâncias. Quando escreveu sua tese de doutorado sobre as hortas comunitárias de Curitiba, Lígia diz que não incluiu o recorte de que a maior parte das pessoas que frequentavam esses espaços eram mulheres negras. Hoje, em outro momento de vida, está lendo sobre a Cida Bento, Sueli Carneiro e outras autoras negras que trazem esse recorte. “Como uma mulher negra, eu preciso participar desse grupo de estudos, e hoje eu já traria uma outra perspectiva para a minha pesquisa. Ao chegar aqui e ver a Ana falando, me identifiquei e me reconheci nela. Fiquei muito feliz de ver uma mulher negra numa posição de destaque e de perceber que o curso vai trazer essa perspectiva decolonial para o currículo e para a questão da alimentação, o que é muito significativo e importante. Esse é um lugar ao qual precisamos pertencer e existir, e agradeço muito a oportunidade de fazer esse curso.” Tem interesse em colaborar conosco? Se você tem um projeto de educação alimentar em andamento e gostaria que o Instituto Comida e Cultura leve sua metodologia pedagógica para a sua cidade, entre em contato conosco neste canal. Juntas e juntos, podemos levar educação alimentar a todas as crianças do Brasil!
Livros para embarcar nos caminhos dos alimentos e na diversidade cultural do Brasil

Estimular a leitura pode ser um grande diferencial nos processos de partilha de saberes. Tanto é que a educação escolar prevê o uso de livros didáticos e paradidáticos na lista de materiais pedagógicos. Mas para além de uma ferramenta de aprendizagem “formal”, a construção do hábito de leitura pode levar crianças e adultos a novos mundos, a mergulhos em sua própria cultura e a uma melhor conexão consigo, com o outro e com o planeta. Pensando nisso, a equipe do Instituto Comida e Cultura (ICC) celebra o Dia Mundial do Livro, comemorado neste 23 de abril, com sugestões de leituras sobre o universo alimentar, a natureza, as infâncias e as nossas heranças culturais. Vamos embarcar juntos nos caminhos dos alimentos e nas diversas culturas do Brasil? Um rio um pássaro, de Ailton Krenak “‘Mas nós continuamos ensinando as nossas crianças. Quando chegamos à Terra, descemos como pássaros que pousam silenciosamente, e um dia partimos de viagem ao céu, sem deixar marcas’. Nesta obra, Ailton Krenak nos leva a uma reflexão profunda sobre como nos desconectamos da natureza, afinal somos ‘ser-natureza’, o alimento é natureza, tudo é natureza. É pura inspiração. E ainda nos ensina com muita poesia e leveza que a beleza da vida está na sua simplicidade.” – Juliana Furlaneto, consultora de comunicação institucional do Instituto Comida e Cultura Memórias da plantação, de Grada Kilomba “Ao ler Memórias da Plantação, de Grada Kilomba, percebo como o racismo estrutural e os legados do colonialismo impactam práticas cotidianas, como a alimentação. Na educação alimentar, é fundamental que as escolhas alimentares e os hábitos sejam vistos não só como questões de saúde, mas também como reflexos de contextos históricos e culturais. Dentro da escola, a educação alimentar pode ser um espaço para questionar e desconstruir os padrões impostos pelo colonialismo, valorizando as tradições alimentares das diversas culturas, especialmente das comunidades que foram marginalizadas. Esse é um ponto essencial: a comida na escola precisa ser entendida como parte de um processo de construção de identidade e de resistência às desigualdades históricas.” – Ariela Doctors, coordenadora-geral do ICC História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo “Dificilmente uma obra foi tão feliz em representar a alma de um povo como em História da Alimentação no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo. Com um estilo super original e sofisticado como poucos, mas não por isso menos acessível, o autor nos convida a um mergulho profundo nas origens do patrimônio culinário brasileiro, reflexo de todo o sincretismo e diversidade que moldam nosso país. Um clássico obrigatório que revela o quanto o alimento está no tecido da nossa cultura, economia e sociedade.” – Erika Fischer, consultora de relações institucionais do Instituto Comida e Cultura Comida comum, de Neide Rigo “Neste livro há pouco saído do forno, Neide Rigo nos leva para dentro de sua cozinha e de seu quintal, onde busca incorporar e trazer de volta ao prato espécies de plantas alimentícias hoje pouco presentes na rotina alimentar das famílias, como ora-pro-nóbis e batata-roxa. A leitura nos permite acompanhá-la em suas andanças pelas roças e cultivos de seu convívio, descobrindo e redescobrindo plantas comestíveis, e aprendendo sobre seu cultivo, preparo e consumo.” – Lorena Tabosa, consultora de conteúdo do ICC A casa na árvore, de Tino Freitas e Lúcia Brandão “Desde pequena este é um dos livros preferidos da minha filha. Hoje com 8 anos, ainda me pede para ler junto com ela. Adoramos fazer juntas esse ‘passeio pela Flora e Fauna brasileiras’. Para celebrar a chegada de um novo morador na casa na árvore, a recepção é feita com muito carinho, mimos e alimentos que a própria natureza dá.” – Juliana Furlaneto
Cozinhas e Infâncias inicia formação de professores do ensino fundamental em São Paulo

O Programa Cozinhas e Infâncias chega à terceira fase em São Paulo com a formação de professores em Educação Alimentar e Nutricional (EAN). O primeiro encontro da nova turma ocorreu no fim de março e as aulas acontecem durante todo o semestre. Serão sete módulos que percorrem a história do alimento em paralelo com o desenvolvimento humano no mundo e a sociobiodiversidade, em especial na formação da cultura culinária brasileira. “A proposta é trazer um contorno que evidencia tradições e modos de preparo ancestrais, além da comida de panela em contraponto aos ultraprocessados”, explica Ariela Doctors, coordenadora-geral e coautora de processos pedagógicos do Instituto Comida e Cultura (ICC). Fotos: Fernando Martinho A iniciativa acontece em São Paulo graças a uma parceria instituída por Acordo de Cooperação Técnica entre o ICC, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, por meio de Coordenadoria de Alimentação Escolar (CODAE), e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Com aulas expositivas e práticas, o curso pretende estimular o resgate da história, cultura e biodiversidade brasileiras, do campo à mesa. A nova fase do Cozinhas e Infâncias deve formar 300 professores do ensino fundamental da rede municipal. “Temos a expectativa que as educadoras do ensino fundamental 1 consigam dar continuidade ao que está sendo semeado em EAN desde a primeira infância junto aos estudantes das EMEIs de São Paulo”, completa Ariela. O programa Cozinhas e Infâncias teve início em 2022, em São Paulo. Até 2024, a iniciativa alcançou 546 unidades escolares de Educação Infantil (todas as EMEIs e CMEIs), 569 professores e gestores, 588 cozinheiras e 71 nutricionistas da CODAE. Cerca de 110 mil estudantes (50% do total de alunos) da rede infantil da capital paulista já foram impactados pelo programa. A professora Maria Inês de Souza, da EMEF Érico Veríssimo, conta que cresceu na roça e que busca apresentar alimentos frescos e biodiversos aos seus estudantes. Ela é uma das participantes do Cozinhas e Infâncias este ano e espera ampliar seu repertório pedagógico de educação alimentar. “Essa formação vem agregar ainda mais à importância da alimentação saudável, voltada aos alimentos naturais, e não aos industrrializados”, diz. Para Mariana Soares, facilitadora de processos pedagógicos no ICC, o Cozinhas e Infâncias é uma janela para pensar na conexão com a natureza por meio do alimento saudável, que a terra nos proporciona em sua maior expressão de vida. E é também uma oportunidade para compartilhar momentos felizes em comunidade, em um resgate de memórias afetivas. “Em um passado não muito distante, as crianças viam as mães aprendendo com as avós as receitas que há gerações alimentaram aquela família. Naquela observação, já se preparavam para serem guardiãs daqueles ensinamentos. De geração em geração, construíam aquela cultura alimentar, conectada com o bioma, com o clima, com a estação do ano, com as pessoas, com a natureza como um todo, criando sua próprias formas de transformar o alimento.”