Cozinhas e Infâncias inicia formação de professores do ensino fundamental em São Paulo

O Programa Cozinhas e Infâncias chega à terceira fase em São Paulo com a formação de professores em Educação Alimentar e Nutricional (EAN). O primeiro encontro da nova turma ocorreu no fim de março e as aulas acontecem durante todo o semestre. Serão sete módulos que percorrem a história do alimento em paralelo com o desenvolvimento humano no mundo e a sociobiodiversidade, em especial na formação da cultura culinária brasileira. “A proposta é trazer um contorno que evidencia tradições e modos de preparo ancestrais, além da comida de panela em contraponto aos ultraprocessados”, explica Ariela Doctors, coordenadora-geral e coautora de processos pedagógicos do Instituto Comida e Cultura (ICC). Fotos: Fernando Martinho A iniciativa acontece em São Paulo graças a uma parceria instituída por Acordo de Cooperação Técnica entre o ICC, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, por meio de Coordenadoria de Alimentação Escolar (CODAE), e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Com aulas expositivas e práticas, o curso pretende estimular o resgate da história, cultura e biodiversidade brasileiras, do campo à mesa. A nova fase do Cozinhas e Infâncias deve formar 300 professores do ensino fundamental da rede municipal. “Temos a expectativa que as educadoras do ensino fundamental 1 consigam dar continuidade ao que está sendo semeado em EAN desde a primeira infância junto aos estudantes das EMEIs de São Paulo”, completa Ariela. O programa Cozinhas e Infâncias teve início em 2022, em São Paulo. Até 2024, a iniciativa alcançou 546 unidades escolares de Educação Infantil (todas as EMEIs e CMEIs), 569 professores e gestores, 588 cozinheiras e 71 nutricionistas da CODAE. Cerca de 110 mil estudantes (50% do total de alunos) da rede infantil da capital paulista já foram impactados pelo programa. A professora Maria Inês de Souza, da EMEF Érico Veríssimo, conta que cresceu na roça e que busca apresentar alimentos frescos e biodiversos aos seus estudantes. Ela é uma das participantes do Cozinhas e Infâncias este ano e espera ampliar seu repertório pedagógico de educação alimentar. “Essa formação vem agregar ainda mais à importância da alimentação saudável, voltada aos alimentos naturais, e não aos industrrializados”, diz. Para Mariana Soares, facilitadora de processos pedagógicos no ICC, o Cozinhas e Infâncias é uma janela para pensar na conexão com a natureza por meio do alimento saudável, que a terra nos proporciona em sua maior expressão de vida. E é também uma oportunidade para compartilhar momentos felizes em comunidade, em um resgate de memórias afetivas. “Em um passado não muito distante, as crianças viam as mães aprendendo com as avós as receitas que há gerações alimentaram aquela família. Naquela observação, já se preparavam para serem guardiãs daqueles ensinamentos. De geração em geração, construíam aquela cultura alimentar, conectada com o bioma, com o clima, com a estação do ano, com as pessoas, com a natureza como um todo, criando sua próprias formas de transformar o alimento.”
Instituto Comida e Cultura integra coalizão global para fortalecer a alimentação escolar

A School Meals Coalition é uma iniciativa de cooperação entre países, sociedade civil e instituições acadêmicas para proteger as infâncias e garantir o desenvolvimento sustentável por meio de melhorias na alimentação escolar A educação alimentar interfere diretamente naalimentação escolar, além de se relacionar com o desenho de políticas públicas educacionais e alimentares e com a construção de sistemas alimentares mais justos e sustentáveis. Com base nessas sinergias, o Instituto Comida e Cultura (ICC) passa a integrar a lista de parceiros da School Meals Coalition (“Coalizão da Alimentação Escolar”, em tradução livre do inglês), ao lado de mais de 140 instituições de todo o mundo. A School Meals Coalition promove ações para melhorar e ampliar os programas de alimentação escolar para garantir que todas as crianças tenham a oportunidade de receber refeições saudáveis e nutritivas nas escolas. A coalizão é coordenada pelo Programa Mundial de Alimentos (WFP) e colabora com as metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil é um dos líderes da coalizão, junto da Finlândia e da França. A alimentação escolar é uma importante política pública no país e, desde 1955, há programas de fornecimento de merenda às crianças brasileiras da rede pública de ensino. Esse movimento culminou com a criação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em 1976, que está em funcionamento até hoje. O PNAE prevê o fornecimento de ao menos uma refeição diária durante o período letivo (180 dias/ano) a todos os alunos matriculados na rede pública e filantrópica de ensino. Um dos principais objetivos da School Meals Coalition é melhorar a qualidade e a eficiência dos programas de saúde e nutrição escolar em todo o mundo até 2030. A alimentação escolar representa uma ferramenta multissetorial poderosa, que pode contribuir para atingir vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), incluindo diminuição da pobreza (ODS1), mitigação da fome (ODS2), saúde (ODS3), educação (ODS4), igualdade de gênero (ODS5), crescimento econômico (ODS8), redução das desigualdades (ODS10), consumo e produção responsáveis (ODS12), ação climática (ODS13) e parcerias fortalecidas (ODS17). “O fortalecimento do PNAE é fundamental para atingirmos esses objetivos no Brasil, e acreditamos na Educação Alimentar e Nutricional (EAN) como um dos caminhos para ampliar a conexão com os alimentos de produção local e agroecológica”, explica Ariela Doctors, coordenadora-geral e cofundadora do ICC. “A comunidade escolar precisa estar preparada para receber esses alimentos frescos e mais saudáveis, e para atuar na educação alimentar das nossas crianças. Por isso, o Instituto trabalha para criar e compartilhar soluções replicáveis nas escolas públicas brasileiras”, completa. Em 2025, o encontro global da School Meals Coalition acontece em Fortaleza, capital do Ceará, entre os dias 18 e 19 de setembro. Serão apresentadas iniciativas de parceiros da coalizão e propostas de ações pelos países-membros. Além do papel imediato para a segurança alimentar de famílias pobres, os programas de alimentação escolar têm benefícios associados, como a promoção de EAN, a possibilidade de redução dos índices de doenças não transmissíveis entre crianças em idade escolar, como anemia e obesidade, e a promoção da cadeia de suprimentos local, favorecendo a agricultura familiar e de base agroecológica. “É fundamental unirmos forças agora para melhorar a saúde das nossas crianças, aumentar a resiliência das comunidades e contribuir para um sistema alimentar mais justo e sustentável”, afirma Bela Gil, cofundadora do Instituto Comida e Cultura. Para saber mais sobre a coalizão, acesse o site (conteúdo em inglês).
Alimentação tradicional nas escolas de Mato Grosso gera renda e fortalece cultura, saúde e meio ambiente

Articulações entre Catrapovos – MT, sociedade civil, poder público e povos e comunidades tradicionais ampliam acesso ao PNAE Conteúdo original do Instituto Socioambiental, com reportagem de Ana Amélia Hamdan Banana, manga, mamão, pequi, cana, macaxeira, murici, tucunaré, matrinxã, pintado, amendoim, mel, pirão, beiju. Já pensou ter seus filhos e filhas matriculados em uma escola que ofereça aos alunos produtos recém-colhidos nas roças e na floresta, além de peixes frescos? Alimentos como esses, que saem das mãos e do trabalho de pequenos produtores — muitos deles pais e parentes dos estudantes — estão chegando a algumas escolas de Mato Grosso. Um exemplo é a Escola Estadual Indígena Hadori, na Terra Indígena São Domingos, do povo Iny, conhecido como Karajá, no município de Luciara (MT), que está desenvolvendo um projeto-piloto e este ano irá fornecer a seus cerca de 90 alunos alimentos produzidos na própria comunidade. Essa mudança está acontecendo com a articulação da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos em Mato Grosso (Catrapovos – MT). A comissão reúne parceiros e busca a adequação e ampliação do acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), possibilitando que agricultores indígenas, quilombolas, extrativistas, retireiros, pantaneiros, morroquianos e ribeirinhos consigam fornecer seus produtos às escolas das comunidades. No cardápio da Escola Hadori, a língua indígena já indica a mudança que vai aparecer no prato. Os alunos vão poder comer Irá mare (mandioca e beiju), Krose (cucuz), Ijore Benôra (sopa de peixe), Uxé (farofa de peixe) e Iwerú (canjica). Diretor da escola, Célio Kawina Ijavari comemorou. “Nosso povo vai vender peixe, farinha, abóbora, batata doce, mandioca. Vai melhorar a merenda!” A chamada pública específica para aquisição dos alimentos dos povos e comunidades tradicionais aconteceu no início deste ano, sendo que seis produtores da comunidade foram cadastrados. Célio Kawina Ijavari conta que, no ano passado, a escola promoveu uma atividade sobre alimentação saudável e serviu pratos tradicionais, usando os produtos locais. A comunidade escolar aprovou. “A comunidade pensou em vender o seu produto para os alunos comerem, valorizando a alimentação do nosso povo e incentivando o cultivo. Essa é a nossa ideia”, relatou. Segundo o diretor, na comunidade, as pessoas estão consumindo muitos industrializados. O programa pode apoiar no resgate da alimentação tradicional e mais saudável. E, ainda, incentivar o sistema agrícola tradicional do povo Iny, inclusive despertando o interesse dos mais jovens. Catrapovos As ações que vêm acontecendo a partir da Catrapovos – MT têm como semente a Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa), criada por iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) e que busca a adequação de políticas públicas de aquisição de alimentos à realidade local dos povos e comunidades tradicionais. A iniciativa acabou se transformando em uma mesa nacional permanente de debates sobre o tema e dando origem às comissões nos estados. “A política impulsiona toda uma cadeia positiva. E a Catrapovos busca desburocratizar e ampliar acessos e benefícios, fortalecendo os sistemas agrícolas, a alimentação saudável e as tradições por trás de cada alimento. Também, promove a geração de renda local, sendo alternativa a outros sistemas que trazem grandes impactos aos territórios e aos modos de vida tradicionais, como madeira, soja e garimpo”, explicou o engenheiro agrônomo Marcelo Martins, analista do ISA e atuante na Catrapovos – MT. Em Mato Grosso, o grupo foi formalizado em junho de 2022 e se reúne mensalmente. Marcelo Martins contou que um dos primeiros passos foi a elaboração do regimento e da carta de princípios. A antropóloga Luísa Tui Rodrigues Sampaio, analista do ISA, também integra a Catrapovos – MT. “Com nossa atuação, estamos unindo as pontas, ou seja, os produtores, as escolas e as entidades parceiras, como a Secretaria de Estado de Educação, a Seduc”, disse. Outro trabalho que vem sendo desenvolvido junto às comunidades a partir da Catrapovos é o levantamento da produção: qual alimento pode ser fornecido e em qual quantidade. A informação é repassada para a Seduc, que elabora o cardápio incluindo os produtos tradicionais. A Funai também está produzindo um diagnóstico da produção em algumas das comunidades indígenas. “Buscamos soluções por meio do debate sobre a alimentação. E esse diálogo se relaciona com a segurança e a soberania alimentar e com outros temas urgentes, como mudanças climáticas, queimadas, desmatamento e uso de agrotóxicos. As comunidades já vêm percebendo, há mais tempo, impactos como a perda de sementes e a dificuldade em alguns cultivos.” Gestor de projetos no ICV, Eriberto Muller relatou que, em dois anos de atuação, a Catrapovos – MT conseguiu avanços importantes ao reunir instituições em torno da pauta da alimentação tradicional nas escolas. Um dos impactos positivos que ele cita é na saúde. “As mulheres indígenas relatam aumento de doenças como diabetes e colesterol alto que foram trazidas pelas alimentação convencional nas aldeias e nas escolas. Esse depoimento é preocupante”, afirmou. Ele apontou ainda que a mobilização da comunidade para participação no PNAE promove o reconhecimento do potencial produtivo dos povos tradicionais, abrindo possibilidades de novos caminhos, como fornecimento de produtos para outros mercados institucionais, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Yaiku Suyá, representante da Associação Terra Indigena Xingu (Atix) na Catrapovos – MT, reforçou que é muito importante que a alimentação tradicional esteja nas escolas. “O alimento tradicional é muito rico, traz saúde. A comida de fora, da cidade, a gente não sabe a maneira que foi feita e pode fazer mal. Sabemos que tem muito agrotóxico”, refletiu. Ele ponderou que a lista de alimentos que podem ser vendidos às escolas deve ser ampliada, com inclusão de itens locais. Projeto-piloto A Escola Estadual Indígena Hadori foi escolhida para desenvolver o projeto-piloto porque reuniu as condições para participar do PNAE — a escola estava mobilizada e havia agricultores interessados em fornecer seus produtos. Mas, ainda assim, não conseguia acessar o programa. Um grupo de trabalho envolvendo a Secretaria Executiva da Catrapovos e o MPF-MT, por meio do procurador Ricardo Pael Ardenghi, foi responsável pela mobilização para a execução do projeto-piloto e irá acompanhar de perto as ações para identificar gargalos e potenciais. A experiência poderá ser expandida para outras