Em meio a paralisia diplomática e a potência ancestral, emergem caminhos que passam pela comida, pela cultura e pela educação.
A participação do Instituto Comida e Cultura (ICC) na COP30, realizada em Belém do Pará, em novembro de 2025, foi marcada por intensa mobilização, trocas significativas e pelo compromisso renovado com a transformação dos sistemas alimentares por meio da educação. Estivemos presentes em diferentes plenárias e espaços de diálogo, levando a defesa da Educação Alimentar e Ambiental como uma das chaves estruturantes para enfrentar a crise climática, uma perspectiva que ainda permanece marginalizada nos grandes debates globais.
Do ponto de vista das negociações oficiais, a COP30 infelizmente entregou mais do mesmo. Assim como analistas, especialistas e militantes vêm apontando, a Conferência falhou em avançar substancialmente na eliminação dos combustíveis fósseis, que permanecem no texto final, e tampouco trouxe clareza sobre os chamados “mapas do caminho”, tanto no que diz respeito à transição energética quanto ao financiamento para adaptação e mitigação. Depois de tantas COPs, ainda assistimos a um processo lento, marcado por disputas geopolíticas que não acompanham a urgência dos territórios.
Mas se no plano institucional a COP avançou pouco, no plano simbólico e humano ela entregou tudo. Foi profundamente inspirador presenciar a força dos povos que estiveram em Belém: diferentes etnias indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, agricultoras e agricultores familiares. Gente de verdade, com histórias reais e lutas ancestrais que reafirmam, dia após dia, a importância das florestas em pé, da sociobiodiversidade e das cadeias curtas de produção e consumo para a construção de sistemas alimentares justos, eficientes e sustentáveis. Histórias que fortalecem culturas e nos lembram do que realmente importa.
Essa energia renova e aprofunda o propósito do Instituto Comida e Cultura: ampliar a consciência alimentar e ambiental desde a primeira infância, por meio de uma educação sistêmica, integral, decolonial e emancipatória. Nessa direção, reafirmamos a potência do programa Cozinhas & Infâncias, jornada metodológica criada pelo ICC, para formar professores, cozinheiras escolares, nutricionistas, gestores e outros atores que contribuem para o desenvolvimento integral das crianças. A proposta do programa é apresentar uma narrativa disruptiva, que reconstrói o olhar sobre nossa trajetória de desenvolvimento humano em paralelo à formação dos sistemas alimentares. Revelamos, assim, como parte significativa desses saberes, como os povos, a diversidade de alimentos e as tecnologias ancestrais, foi historicamente invisibilizada, ao mesmo tempo em que a indústria alimentícia e a publicidade ganharam força, padronizando gostos e apagando a diversidade de rostos, sabores e formas de existir. É a lógica da pasteurização do mundo, substituindo os pequenos mundos vivos por uma globalização sem graça e sem alma.
Acreditamos profundamente que uma Educação Alimentar e Ambiental orientada por uma visão sistêmica tem capacidade real de promover transformações estruturais na sociedade. O Brasil, com sua história de luta social pelo Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e com políticas emblemáticas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), já nos oferece marcos sólidos para avançarmos. Por que não aproveitar a legislação já existente, como a Lei 13.666/2018, entre outros decretos e diretrizes, para construir e implementar um plano de ação nacional de educação alimentar e ambiental que mobilize municípios, estados e a federação em torno dessa agenda?
Se a COP30 trouxe poucos avanços concretos, ela deixou claro o tamanho do desafio e também o tamanho das possibilidades. Paradoxalmente, poucos dias após seu encerramento, vimos o Congresso Nacional aprovar o chamado “PL da devastação”, evidenciando a distância entre o simbólico e o real, entre a narrativa da proteção e as escolhas políticas efetivas que moldam o país.
Ainda assim, não podemos esmorecer. Seguiremos na luta, convictos de que somente uma transformação profunda de paradigmas poderá nos levar ao presente que queremos. É preciso ultrapassar o paradigma da escassez e caminhar para o da abundância, reconectando-nos com o mundo natural e reconhecendo o alimento como um condutor poderoso dessa transmutação, de forma leve, harmônica, estruturada e, sobretudo, educativa.
Essa transformação precisa atravessar as novas e as velhas gerações, para que o presente seja possível, justo e belo.
Com anseio e esperança,
Ariela Doctors.
Coordenadora Geral do Instituto Comida e Cultura