quando a touca não cabe e a gente não quer caber

26 de setembro, 2025
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Na cozinha, tudo deveria caber: o cheiro do café, a lembrança da infância, as vozes que cozinham juntas.

Mas e quando a touca expulsa?

A cozinha é mais que lugar de panelas e receitas: é território de partilhas, onde a oralidade se encontra com a memória. Ali, emoções e conexões se acendem; histórias proseadas enquanto o bolo cresce no forno; o aroma do café anuncia e os cheiros despertam lembranças da infância. É nesse espaço que corpos se reconhecem e se sentem pertencentes.

O programa Cozinhas & Infâncias nasce com esse propósito: inserir a alimentação no currículo pedagógico como parte essencial de uma educação emancipatória. Uma educação que dialoga com Culturas, Histórias, Sistemas Alimentares, Biodiversidade, Relações Étnico-Raciais e o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena.

Em 2023, a formação chegou à rede pública de educação infantil de São Paulo, numa parceria entre o Instituto Comida e Cultura, a Secretaria Municipal de Educação (CODAE) e a Faculdade de Saúde Pública da USP. No Laboratório de Práticas Culinárias, professoras, professores e cozinheiras se encontram: aprendem, trocam, cozinham juntas.

Mas havia algo muito sutil, deveria ser invisível e  gritava: a touca descartável.

Obrigatória por norma sanitária e símbolo de um higienismo herdado do século XIX, ela deveria proteger alimentos e corpos. Mas seu tamanho ‘padrão’ não cabia em todas as cabeças. Não acolhia os cabelos crespos, afros, volumosos, que representam uma estética identitária, de beleza e de auto afirmação. 

E quando não cabe, a touca vira desconforto, reforça estereótipos racistas, dá sinais de inadequação e indica um não lugar.

Afinal, essa touca foi feita para quem? Quem pode estar e transitar nesse espaço?

Nossa metodologia fala de pertencimento, mas como experivivência-la na prática se até a touca expulsa?

Reconhecendo isso, o Instituto Comida e Cultura passa agora a adotar toucas que acolhem e abraçam todos os tipos de cabelo. E pede desculpas por não ter feito antes.

Pois  foi necessário trazer mais diversidade para nossa equipe, para realmente olharmos para isso com a devida importância. Pois para quem está a todo tempo lutando para ser quem é, isso não passaria despercebido. 

Porque a cozinha é lugar de pertencimento, construção de um estar inteiro, singular e coletivo..
E se a cozinha é espaço de ensino, resistência, precisamos ressignificá-lo para ser também espaço de dignidade, de celebração e cuidado — onde nenhuma mulher, nenhum corpo, nenhum cabelo se sinta fora do lugar.

*texto de daniella brochado, em colaboração com  mariana soares e ana vasconcellos

Brasil, 02 de setembro de 2025.

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