Educação Alimentar e Nutricional: uma resposta sistêmica à sindemia global

18 de junho, 2025

Artigo de Ariela Doctors e Brena Barreto

Você já ouviu falar em sindemia? Esse termo está relacionado aos desafios que enfrentamos atualmente na saúde pública, principalmente quando falamos de alimentação, doenças crônicas e mudanças climáticas. Ele também nos ajuda a entender por que a Educação Alimentar e Nutricional (EAN), a Educação Sistêmica, e a Educação Ambiental são necessárias, principalmente na infância.

O conceito de sindemia global descreve a interação entre três crises contemporâneas: obesidade, desnutrição e mudanças climáticas¹. Elas coexistem e se potencializam, compartilhando as mesmas causas, como sistemas alimentares insustentáveis e desigualdades sociais. Seus efeitos não são iguais para todas as populações, afetando desproporcionalmente grupos mais vulneráveis, como as crianças.

Os efeitos da sindemia global na infância

A má alimentação na infância, seja por excesso ou por deficiência de nutrientes, pode comprometer o crescimento físico e o desenvolvimento cognitivo ao longo da vida. Milhões de crianças em todo o mundo enfrentam simultaneamente as diferentes formas de má nutrição (como desnutrição, obesidade e deficiências nutricionais), em um contexto marcado pelo aumento do consumo de alimentos ultraprocessados. Esses produtos, estão associados a um maior risco de obesidade e outras doenças crônicas não transmissíveis².

Somam-se a esse quadro os efeitos dos eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, que impactam a produção de alimentos, dificultando o acesso a alimentos frescos e nutritivos. Crianças que vivem em comunidades de baixa renda e em zonas rurais estão entre as mais impactadas por essa realidade³.

Diante dessa complexidade, precisamos de respostas que não se limitem a soluções pontuais ou técnicas. É nesse cenário que a EAN, aliada à Educação Ambiental e à Educação Sistêmica, se torna uma estratégia transformadora.

Educação Sistêmica: enxergar as conexões

A Educação Sistêmica propõe olhar o mundo de forma integrada4. Em vez de tratar saúde, alimentação, meio ambiente e cultura como temas separados, ela reconhece as interconexões entre eles. Essa abordagem convida escolas a integrarem saberes, territórios e afetos, promovendo uma aprendizagem significativa e comprometida com a vida.

Quando aplicada à EAN, a visão sistêmica permite entender que comer não é apenas uma necessidade biológica, mas um ato cultural, político, ambiental e relacional. Ao desenvolver esse olhar nas crianças e jovens, a escola contribui para formar cidadãos conscientes do seu papel na transformação do mundo.

A escola como espaço de transformação

No Brasil, a Lei nº 11.947/2009 fortaleceu o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)5, garantindo refeições saudáveis na escola e incentivando a compra de alimentos da agricultura familiar. Com a Lei nº 13.666/2018, a EAN passou a fazer parte do currículo escolar, reafirmando seu papel na formação integral.

Mas a educação alimentar não se resume a conteúdos sobre nutrientes. Na prática, ela se manifesta em hortas pedagógicas, oficinas de culinária, rodas de conversa, visitas a feiras, projetos sobre agroecologia. Tudo isso ajuda os estudantes a refletirem: o que comemos? De onde vem? Como é produzido? Quem lucra e quem perde nesse processo?

Educação alimentar e ambiental: o mesmo caminho

A crise ambiental e alimentar têm uma raiz comum: um sistema que desrespeita os ciclos da natureza, os saberes tradicionais e os direitos humanos. Produção intensiva, uso de agrotóxicos, desperdício e emissão de gases de efeito estufa fazem da alimentação um dos principais vetores da destruição ambiental.

Por isso, Educação Alimentar e Ambiental precisam andar juntas — e de forma sistêmica. Ao trabalhar com os estudantes os impactos do consumo alimentar, a valorização da cultura local, a importância da sociobiodiversidade e o respeito à terra, a escola contribui para uma mudança de consciência que se traduz em atitudes.

Comer é um ato político e relacional

Inspirada em Paulo Freire6, a EAN defende o diálogo, a escuta e a valorização das experiências alimentares dos sujeitos. Comer é um ato político, afetivo e identitário. É também um ato de pertencimento: ao corpo, à comunidade, ao território.
Frente à sindemia global, uma educação com visão sistêmica é mais do que necessária — é urgente. Ela nos ajuda a compreender o mundo como uma teia de relações vivas, e nos convida a agir com consciência, responsabilidade e empatia.
Educar para comer melhor é, também, educar para ser, conviver, transformar, reconhecer e defender direitos. E esse caminho pode começar no cotidiano das escolas!

REFERÊNCIAS

  1. Swinburn, B. A. et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the Lancet Commission report. The lancet, v. 393, n. 10173, p. 791-846, 2019.
  2. Agostoni, C. et al. Interlinkages between climate change and food systems: the impact on child malnutrition—narrative review. Nutrients, v. 15, n. 2, p. 416, 2023.
  3. Cooper, M. W. et al. Mapping the effects of drought on child stunting. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 116, n. 35, p. 17219-17224, 2019.
  4. WILBER, K. An integral theory of consciousness. Journal of Consciousness Studies v. 4, n 1, p.71-92, 1997.
  5. BRASIL. LEI Nº 11.947, DE 16 DE JUNHO DE 2009. Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11947.htm.
  6. FREIRE, P., Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa / Paulo Freire – São Paulo: Paz e Terra, p.285, 1996. – (Coleção Leitura) ISBN 85-219-0243-3.

Sobre as autoras

Ariela Doctors é coordenadora-geral e coautora dos processos pedagógicos do Instituto Comida e Cultura, é comunicadora, escritora e chef de cozinha. Membro do Conselho Educação e Território do Instituto Aprendiz, tem ampla experiência em educação sistêmica e cursa mestrado em Nutrição em Saúde Pública na USP.

Brena Barreto Barbosa é pesquisadora e mentora do Sustentarea. É Mestra em Nutrição e Saúde pela Universidade Estadual do Ceará.

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